Governo desenha regras para uso de conta vinculada em ferrovias

O Ministério dos Transportes desenha uma estrutura de governança para realização do investimento cruzado em ferrovias a partir de contas vinculadas, mecanismo pelo qual o governo pretende superar o gap de viabilidade em futuras concessões ferroviárias. A ideia é que regras, em estruturação, deem mais segurança e previsibilidade ao investimento cruzado, que vinha sendo feito com obras diretas por concessionárias de ferrovias. Uma delas estabelece, por exemplo, que os recursos só sejam investidos em bens reversíveis da ferrovia.

O uso de contas vinculadas está em discussão no TCU (Tribunal de Contas da União) dentro do processo de repactuação do contrato da Malha Sudeste, operada pela MRS, uma vez que parte do dinheiro gerado pelo acordo iria para uma conta da concessão. Com o instrumento, os recursos seriam então transferidos diretamente pela MRS para outra empresa que arrematar a ferrovia a ser viabilizada com esse montante, numa operação gerida e fiscalizada pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

É essa mecânica orçamentária que gera divergências dentro da corte de contas e ameaça o acordo fechado com a MRS no âmbito da SecexConsenso do TCU, ainda em abril, quando ficou definido que a concessionária desembolsaria cerca de R$ 2,8 bilhões pela repactuação do contrato renovado em 2022.

Este acordo foi pautado para ser julgado pelo plenário do tribunal nesta quarta-feira (3), mas no início da semana foi retirado de pauta e agora a estimativa é de que ele seja julgado no próximo dia 17, com expectativa de que a AudFiscal (Unidade de Auditoria Especializada em Orçamento, Tributação e Gestão Fiscal) do TCU possa ser ouvida até lá. O relator é o ministro Jorge Oliveira.

O Ministério dos Transportes tem feito um esforço dentro da corte de contas para convencer os ministros de que o mecanismo das contas vinculadas é mais eficiente e mais transparente que a forma de investimento cruzado que vinha sendo feita até agora, com a empresa fazendo uma obra direta.

Previsto em lei, o investimento cruzado permitiu que o governo incluísse nos contratos ferroviários da Vale, por exemplo, a previsão de a empresa construir um trecho da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), ou seja, um projeto fora do seu contrato de concessão, o que foi chancelado pelo TCU em 2020.

Desde lá, contudo, o governo começou a perceber dificuldades nessas execuções. Na recente tentativa de acordo para a repactuação dos contratos da Vale, a empresa indicou que não queria fazer parte do projeto da Fico, alegando problemas com um aspecto do licenciamento ambiental do projeto.

Governança

Sob o crivo do TCU, as contas vinculadas seriam uma nova forma de execução do investimento cruzado sem colocar uma empresa para construir uma ferrovia que não está no seu objeto de concessão. Mas a engenharia orçamentária desse tipo de conta, que já apareceu em outros projetos de concessão, é um tema que há algum tempo gera debates no tribunal, acompanhado, por exemplo, num processo relatado pelo ministro Benjamin Zymler e solicitado pelo ministro Walton Alencar.

Diante do debate que se acirrou com o caso da MRS, o Ministério dos Transportes produziu uma nota técnica enviada há poucos dias ao TCU com uma série de argumentos em favor da sistemática ante o modelo antigo de execução direta do investimento cruzado, segundo a Agência iNFRA apurou. A pasta argumenta que o modelo de conta vinculada promove mais eficiência na aplicação dos recursos por produzir um maior alinhamento de incentivos.

O ministério avalia, por exemplo, que o investimento cruzado com aplicação de recursos gera transparência ao processo porque a obra que receberá o capital é incluída dentro do futuro contrato de concessão que será licitado, e que passará, portanto, por um processo concorrencial. Dentro do arcabouço de governança desenhado, por exemplo, os futuros projetos ferroviários deverão prever que o critério de leilão será de maior lance de outorga, com compensação do valor a ser transferido para a concessionária. Assim, ganha o certame quem exigir a menor transferência dos recursos do investimento cruzado.

Além disso, outras três regras vão basear o uso desse dinheiro nas novas ferrovias. A primeira delas vincula os recursos a investimentos apenas em bens reversíveis da ferrovia. Com isso, a ideia é garantir que os aportes sejam revertidos em ativos que permanecerão sob titularidade da União. A segunda regra veda que o aporte seja superior ao fluxo de caixa descontado negativo (VPL negativo) do projeto, buscando impedir que o investimento cruzado proporcione ganhos econômicos excessivos ou subsídio de custeio injustificado para quem assumir a ferrovia.

A terceira norma proíbe que os recursos previstos superem o próprio capex da implantação em bens reversíveis. O plano é evitar financiamento de gastos de custeio, situação em que a receita da concessão não seria suficiente para cobrir as despesas operacionais da ferrovia.

Incentivos desalinhados

A pasta também tem argumentado ao TCU que a redação da lei que prevê o investimento cruzado não condiciona que ele seja feito apenas de uma forma, como pela execução direta de obras pela concessionária. Com o modelo sugerido, há uma expectativa de que haja mais alinhamento de interesse entre o que quer o poder público e a futura concessionária, já que quem vai executar a obra é a empresa que também vai operar a ferrovia, o que a incentiva a entregar o empreendimento mais rápido e com mais qualidade.

No modelo de execução direta, não há processo competitivo para o empreendimento. Além disso, o ministério tem chamado atenção para o fato de que as concessionárias que ficaram com a responsabilidade de construir ferrovias fora de seu objeto de concessão não são construtoras, e portanto não teriam o core business necessário. Entraves em questões como de licenciamento e reequilíbrios contratuais são outros pontos levantados pelo governo como desvantagens da execução direta.

Acordo da MRS

O processo de repactuação da MRS é emblemático porque é a partir dele que o TCU deve estabelecer balizas sobre as novas formas de fazer investimento cruzado. Embora a repactuação da Malha Paulista já tenha passado pelo tribunal, à época, o instrumento das contas vinculadas ainda não havia sido oficialmente discutido no processo. Recentemente, a ANTT aprovou a previsão de uma conta para a Rumo depositar parte do “adicional de vantajosidade” acordado na repactuação, que soma R$ 670 milhões. Quitada antes dessa deliberação, a primeira parcela foi direto para o OGU (Orçamento-Geral da União).

Pela MRS, é esperado que o montante do adicional de vantajosidade seja maior. No acordo, segundo apurou a Agência iNFRA, foi definida uma lista de projetos que poderão receber os recursos do investimento cruzado gerado pelo novo contrato. Após a conclusão das tratativas na SecexConsenso, por sua vez, o MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União) se manifestou contrário ao acordo. Agora caberá ao plenário dar a palavra final.

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