Grandes emissores desafiam bancos na transição climática

Mesmo diante da pressão por uma economia de baixo carbono, os bancos brasileiros continuam financiando setores historicamente intensivos em emissões de gases de efeito estufa, como petróleo, gás, mineração, siderurgia, cimento e agropecuária. Por regulação do Banco Central, os bancos precisam monitorar minimamente o risco ambiental e climático de seu portfólio e divulgar o que estão fazendo, como, por exemplo, a Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC).

Boa parte das instituições, especialmente as maiores, já têm metas e planos para diminuir a intensidade de emissões da carteira, seja via monitoramento de indicadores e critérios mais rigorosos, como no caso do agronegócio, via restrições de crédito, como no caso do setor de carvão, ou ainda através de políticas de engajamento com os clientes de segmentos mais poluidores, como cimento, atividades industriais e óleo e gás.

Em paralelo, novos setores, como data centers e empresas de tecnologia também passaram a ocupar um lugar de destaque nas discussões sobre emissões, devido ao aumento exponencial da demanda por energia e água para suportar operações de inteligência artificial.

Financiamento a Data Centers

Segundo pesquisa Global Data Centers: Sizing & Solving for CO2, publicada pelo Morgan Stanley, estima-se que, até 2030, a indústria de servidores emitirá cerca de 2,5 bilhões de toneladas métricas de dióxido de carbono — três vezes mais do que seria esperado sem o advento das IAs generativas —, sendo 60% desse total decorrente do aumento do consumo energético das estruturas. O estudo destaca a necessidade de soluções energéticas mais eficientes e de estratégias de mitigação, como programas de captura de carbono (CCUS), para conter o impacto ambiental dessas tecnologias.

No Brasil, a situação é relativamente menos preocupante devido à matriz elétrica majoritariamente renovável, o que diminui drasticamente a pegada de carbono da indústria de data centers. Esse diferencial tem sido usado como argumento para a atração de outros data centers no país. Segundo o Data Center Map, hoje, o Brasil abriga 188 centros do tipo e vem atraindo mais interessados: dados do Ministério de Minas e Energia (MME) mostram que há 50 pedidos de conexão à rede elétrica.

Há, contudo, discussões sobre o impacto e sobrecarga que este tipo de atividade poderia ter na disponibilidade de energia e também hídrica, uma vez que o sistema de refrigeração costuma ser feito com ar condicionado e a água. Para isso, ativistas e especialistas ambientais recomendam a elaboração da política nacional de data centers com participação de outros stakeholders além do setor privado.

Mesmo assim, os bancos já começaram a monitorar e engajar o setor, considerando seu impacto crescente.

O Bradesco , por exemplo, vê os data centers como setor estratégico para financiar a transição energética. O banco oferece linhas de crédito e instrumentos estruturados voltados para modernização de centros de dados, incentivando o uso de energia solar e eólica, eficiência energética e métricas ESG robustas. A instituição aplica rotulagem ESG, na qual as condições financeiras variam conforme o desempenho ambiental do projeto. Segundo Fabiana Costa, superintendente de Sustentabilidade, “o banco busca incentivar boas práticas, mostrando que inovação tecnológica e sustentabilidade podem caminhar juntas.”

O Santander vai na mesma linha e, embora a participação de data centers em sua carteira sustentável ainda seja pequena, o setor apresenta oportunidade de crescimento. Segundo Leonardo Fleck, líder de sustentabilidade do Santander, “a abundância de energia renovável no país é apontada como um fator-chave para atrair investimentos”, e o banco monitora eficiência energética, consumo de água e impactos socioambientais, considerando o licenciamento ambiental como requisito obrigatório.

No Itaú Unibanco, Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do banco, reitera que o impacto ambiental de data centers é reduzido. “A energia consumida por empresas de tecnologia no Brasil emite muito menos CO₂, o que reduz o peso desse setor nas emissões da carteira de crédito do banco”, diz. Mesmo assim, a instituição acompanha o setor e mantém a avaliação de riscos socioambientais, com foco em eficiência energética e uso de água, integrando essas análises em sua carteira de crédito.

Já no BTG, data centers e tecnologia já são avaliados como emissores relevantes. O banco analisa riscos de eficiência energética, consumo de água e poluição sonora, integrando essas informações às decisões de crédito.

Financiamento a setores historicamente emissores

Enquanto avaliam o impacto, riscos e oportunidades da demanda tecnológica nos negócios de seus clientes, as instituições financeiras seguem evoluindo no mapeamento e na construção de planos de ação para descarbonizar sua carteira em setores historicamente emissores intensivos de gases de efeito estufa (GEE), tais como carvão, cimento, óleo e gás, atividades industriais e agronegócio.

A construção de seus critérios tem como base os chamados Princípios de Equador, um conjunto de diretrizes de gestão de riscos socioambientais criado em 2003 e adotado por instituições financeiras ao redor do mundo. Ele tem como referência os Padrões de Desempenho de Sustentabilidade Socioambiental da International Finance Corporation (IFC) e as Diretrizes de Meio Ambiente, Saúde e Segurança do Banco Mundial. Os princípios ajudam os bancos a categorizar projetos financiados com base na magnitude dos riscos e impactos sociais e ambientais potenciais, incluindo aqueles relacionados aos Direitos Humanos, mudanças climáticas e biodiversidade. Geralmente é usado para avaliar empreendimentos de maior valor.

É comum ainda os bancos solicitarem das empresas e projetos a comprovação da regularidade social e ambiental antes de liberarem recursos. Há quem peça também o desenvolvimento de um Sistema de Gestão Socioambiental e da contratação de consultoria especializada independente para avaliar e acompanhar a conformidade com a legislação aplicável e os Padrões da IFC e do Banco Mundial. Os clientes também precisam enviar relatórios periódicos mostrando que continuam compliance.

Caso o cliente não atenda eventuais pendências, providências ou recomendações apontadas nos acompanhamentos periódicos, a instituição financeira pode suspender ou cancelar o contrato de empréstimo.

Ao avaliar os relatórios anuais de cinco grandes bancos que atuam no Brasil – Banco do Brasil, Bradesco, BTG Pactual, Itaú Unibanco e Santander – o tema é abordado em todos, porém, com diferentes níveis de profundidade e detalhamento.

A política restritiva com relação ao financiamento do carvão é praticamente consenso. Alguns colocaram a meta de não ter nem um real mais na carteira de crédito relacionada ao setor.

O Banco do Brasil, por exemplo, tem em suas diretrizes de sustentabilidade para o crédito, a premissa de não assumir risco em uma série de atividades, como extração de carvão mineral, geração de energia termelétrica a partir do carvão mineral, minas terrestres, petróleo e gás não convencional (areias de alcatrão; óleo e gás de xisto; e óleo e gás no Ártico, entre outros), violação de direitos humanos, empresas ligadas a jogos de azar ou especulativos, exploração sexual, substâncias comprovadamente perigosas (amianto e asbesto) e atividades em imóveis rurais embargados, entre outros.

As instituições também são categóricas ao dizer que observam – e fecham as portas se for preciso – para casos de clientes que estejam na lista de trabalho análogo ao escravo e trabalho infantil; na lista de maiores devedores trabalhistas; sejam empresas inidôneas e suspensas; e ainda determinam políticas específicas para proteger-se de financiar projetos em terras indígenas ou áreas de desmatamento, especialmente no bioma amazônico.

Outra prática comum é monitorar mais de perto setores considerados mais problemáticos e que tenham relevância – e grande peso – na carteira. O Itaú, por exemplo, detalha, em seu último relatório integrado referente à 2024, o cálculo das emissões financiadas em 36 setores econômicos, considerando escopos 1 e 2, que se refere à operação das companhias e a energia que utilizam. Os setores prioritários para a descarbonização são: Geração de eletricidade; Carvão; Óleo e Gás; Aço; Alumínio; Cimento; Transporte; Agronegócio; e Imobiliário.

São apresentados dados de emissões relativas de clientes do segmento de pessoas jurídicas por setor. As emissões relativas são calculadas através do cruzamento dos dados de emissões financiadas por milhões de toneladas métricas de carbono equivalente (MMtCO2) com as informações da carteira de crédito em bilhões de reais de cada uma das atividades econômicas financiadas. Neste caso, são consideradas apenas as emissões de Escopo 1 e Escopo 2 dos clientes, ou seja, as emissões diretas, das operações e do consumo energético.

A partir dos dados é possível entender, por exemplo, quais os setores que devem ser acompanhados de perto. No caso do Itaú, por exemplo, O agronegócio tem um valor relativo de 0,133 em comparação a 0,019 do setor de energia, em 2024. Isso significa que a cada um real concedido de crédito os clientes do agro do banco são, na média, mais intensivos em emissões de GEE do que os de energia.

Agora, o Itaú estuda como calcular o escopo 3 (emissões indiretas), seguindo as recomendações da Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF), para os setores de Óleo e Gás, Transportes, Mineração, Construção Civil, Materiais e Atividades Industriais, que totalizaram em 2024 9,3 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2).

O BTG não traz muitos detalhes em seus documentos, mas aponta no Relatório Anual de 2024 que os chamados setores controversos, ou seja, aqueles capazes de causar danos a integridade física ou psicológica de consumidores/usuários ou de terceiros próximos – tais como bebidas alcóolicas, tabaco, armas e munições ou jogos de azar –, representavam apenas 0,34% do portfólio da divisão de empréstimos a empresas, em 2024. Em 2023, essa representação era maior, de 0,41%.

Com relação à carteira de clientes produtores e/ou comercializadores de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural, carvão) e seus derivados, o BTG explica que eles correspondiam a 4,98% da carteira no final do ano passado, enquanto as indústrias de alimentos ultraprocessados não tinha peso significativo (0%).

No BTG, setores como óleo e gás, carvão, agronegócio, mineração, siderurgia, cimento e petroquímica representam 17,8% do portfólio de pequenas e médias empresas (SME) e empresas de maior porte (corporate), totalizando R$ 41,1 bilhões. O banco informa que analisa planos de transição e metas climáticas de clientes antes da concessão de crédito, engajando-os sempre que necessário. Data centers e tecnologia já são avaliados como emissores relevantes, com foco em eficiência energética, uso de água e poluição sonora.

Algumas instituições mais maduras na agenda apresentam planos de descarbonização da carteira. Para isso, se baseiam nas diretrizes da Net Zero Banking Alliance (NZBA), referência global no assunto. Também consideram as recomendações da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD) e da Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ) para Planos de Transição Climática.

A NZBA recomenda que o estabelecimento dos objetivos esteja alinhado aos cenários científicos mais recentes e que conduzam ao net zero em uma trajetória alinhada a 1,5 °C, a exemplo de cenários do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do Cenário Net Zero da Agência Internacional de Energia (IEA).

O Bradesco, por exemplo, se colocou a meta de reduzir em 62% sua exposição às emissões do setor de geração de eletricidade. Hoje, o que tem no portfólio responde por 90,56 kgCO2 e por MWh. A proposta é chegar em 2030 com 23 kgCO2e por MWh. Para o setor de cimento, um dos setores mais difíceis de descarbonizar, a meta é passar de 0,59 para 0,47 tCO2e por tonelada de cimento, redução de 20% até 2030.

O Bradesco prioriza o acompanhamento de carvão, geração de eletricidade, alumínio, cimento, ferro e aço e transporte. “Entendemos que nosso papel vai além de reduzir as emissões financiadas: é também financiar a redução das emissões”, diz Fabiana, do Bradesco.

No agronegócio, setor representativo na carteira de crédito, a instituição está desenvolvendo com a FGV Agro, da Fundação Getúlio Vargas, e outros bancos, um projeto para estimar emissões financiadas na soja, milho e pecuária de corte, e também definir metas e alternativas de remoção de emissões no nédio e longo prazos. A próxima etapa é de cruzamento de informações para cálculo do monitoramento desses clientes na carteira de crédito rural.

No crédito rural, explica a executiva, todas as operações vinculadas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) passam por análise socioambiental, incluindo verificação de trabalho análogo ao escravo, sobreposição com terras indígenas, unidades de conservação e embargos ambientais. Para imóveis na Amazônia, conta a executiva, é exigido projeto técnico que comprove conformidade ambiental. Além da análise inicial, o banco realiza monitoramento periódico por sensoriamento remoto, identificando alterações como mudanças no status do CAR ou novos embargos ambientais. Caso sejam detectadas irregularidades, os clientes são notificados e devem regularizar a situação.

O agronegócio é, no Brasil, o calcanhar de Aquiles do plano de redução de emissões, por estar direta e indiretamente ligado aos dois setores econômicos responsáveis, juntos, por 74% de todas as emissões de GEE do país: mudanças no uso da terra e agropecuária, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). O desmatamento é o principal fator de emissor no caso da terra, enquanto a ruminação bovina é o da agropecuária.

Análise de emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil (2023)

Setor econômico Peso no total de emissões de GEE Emissões (Mt CO2e)(*) Principais fatores de emissões dentro do setor

Mudanças de uso da terra 46% 1062 98% das emissões provém de desmamento

Agropecuária 28% 631 64% das emissões provém de digestão de animais ruminantes (produção de metano)

Energia 18% 412 53% das emissões provém de transportes

Resíduos 4% 92 65% das emissões provém de aterros e lixões

processos industriais 4% 91 50% das emissões provém de produção de metais

Total 100% 2296 (*) Milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente.

O Banco do Brasil adota algumas políticas setoriais, que estão públicas em suas Diretrizes de Sustentabilidade para o Crédito. O banco é um dos que apostam no engajamento estratégico para promover a transição de grandes emissores. José Ricardo Sasseron, vice-presidente de Negócios de Governo e Sustentabilidade Empresarial, cita como exemplo a parceria com a Petrobras: R$ 10,5 bilhões em operações de crédito vinculadas a compromissos de sustentabilidade, incluindo investimentos em descarbonização, transição energética, bioprodutos e pesquisa e desenvolvimento.

O BB também atua com programas próprios, como RenovAgro e Pecuária Mais Sustentável, destinados a práticas agropecuárias de baixa emissão e recuperação de áreas degradadas. No campo, já foram contratados R$ 1,1 bilhão em projetos de energia renovável em 2024, e quase metade do custeio agrícola contou com seguros contra eventos climáticos extremos.

Além disso, o banco estrutura iniciativas em parceria com o Banco Mundial, oferecendo crédito com condições diferenciadas atreladas à mensuração de emissões de gases de efeito estufa e à elaboração de planos de descarbonização, o que também já é prática em outras grandes instituições financeiras no Brasil.

Na política de engajamento com clientes do Santander, os clientes são classificados em “tiers” em relação a sua maturidade na agenda climática. Para fazer a “tierização”, o banco avalia a qualidade e a ambição das metas de emissões de GEE das empresas, verifica a credibilidade da estratégia de alinhamento com as práticas do banco, analisa a transparência dos dados e se eles seguem padrões consagrados (TCFD) e avalia a estratégia de transição. Eles são, então, clusterizados em categorias de Líder (Tier 1), Forte (Tier 2), Moderado (Tier 3) e fraco (Tier 4). Também busca entender a qualidade do plano de transição da empresa-cliente em elação a metas, plano de ação, divulgação e governança.

No relatório integrado de 2024, publicado este ano, o Santander conta que fez treinamentos internos com gerentes e analistas de risco ambiental, social e de mudanças climáticas (ESCC) para que estes coletem informações e ajudem na avaliação dos critérios e do plano. O objetivo é auxiliar os clientes a “subirem” degraus.

“Em 2024, focamos nossos esforços de engajamento com clientes nos setores de petróleo e gás e em clientes de níveis mais baixos de outros setores”, cita o banco no relatório. Dos clientes que estão dentro do escopo das metas, aproximadamente três quartos incluíram, ao longo de 2024, discussões relacionadas à sustentabilidade em suas atividades, de acordo com a instituição.

Um dos principais obstáculos apontados hoje pela indústria bancária para o acompanhamento mais de perto dos clientes e aprimorar monitoramento e engajamento é, em geral, a complexidade das atividades econômicas e as particularidades de cada cliente e setor. Além disso, faltam dados precisos – o número de empresas que já fazem seu inventário de gases de efeito estufa é baixo.

Enquanto setores intensivos em carbono continuam a receber crédito, os bancos brasileiros avançam em governança, monitoramento e engajamento de clientes, reforçando a importância de políticas robustas de ESG e sustentabilidade. Apesar de um evidente amadurecimento nos últimos anos, puxado, principalmente, por regulamentações mais rígidas do Banco Central e exigência de bancos multilaterais e de desenvolvimento para acesso a linhas de crédito, os bancos reconhecem que o engajamento com setores altamente emissores é complexo. Buscam conciliar performance financeira com metas climáticas, integrar dados e monitoramento de riscos, além de incentivar práticas de eficiência energética e transição para fontes renováveis.

Vale ainda ressaltar que as instituições precisam avançar em tornar a sua comunicação sobre a política de descarbonização da carteira mais fácil de ser acessada pelo público em geral. Os bancos publicam inúmeros documentos em seus sites de relações com investidores com temas similares, porém incompletos, como, por exemplo, relatório integrado, Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (GRSAC), relatório climático e podem ainda ter documentos específicos para cada setor de atuação, com detalhamento de suas metas. Dessa forma, para o público geral, é trabalhoso encontrar e até, em alguns casos, entender as informações publicadas.

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