Guerra automotiva: entenda por que a recém-chegada BYD disputa influência junto a Lula com as montadoras tradicionais

Imagem da notícia

Um dos ensinamentos de Sun Tzu, general chinês que viveu há 2.500 anos e virou citação recorrente no mundo corporativo, é que o adversário que fica muito tempo em posição de combate, sem avançar nem recuar, merece atenção redobrada.

Na contenda tributária que opõe a recém-chegada BYD às montadoras instaladas há mais tempo no Brasil, a disputa por espaço envolve influência em Brasília num momento decisivo para o setor automobilístico: a definição, em janeiro, sobre a prorrogação ou não da cota que hoje permite a importação, com isenção de impostos, de kits para montagem de veículos híbridos e elétricos.

De um lado, a BYD, gigante chinesa que lidera as vendas de veículos eletrificados no Brasil (e no mundo) e principal beneficiária da atual cota de importação, tem tido seus pleitos apoiados sobretudo pelo ministro Rui Costa, da Casa Civil, que vê na fábrica de Camaçari, na Bahia, um ativo político e econômico em seu estado.

Do outro, montadoras tradicionais, como Volkswagen, GM, Toyota, Stellantis e Renault, tentam barrar a prorrogação do benefício tributário para a importação de peças e veículos elétricos. Reunidas na Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), elas têm a simpatia das áreas técnicas das pastas do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) e da Fazenda, liderados pelo vice Geraldo Alckmin e o ministro Fernando Haddad, respectivamente.

Nesse núcleo, predomina a visão de que a renovação da cota pode desestimular investimentos no desenvolvimento industrial e tecnológico do país, alvo do plano Nova Indústria Brasil (NIB), liderado pelo Mdic, ainda que transição energética seja tema caro à equipe econômica.

Em janeiro expira o limite de cerca de US$ 463 milhões (valor FOB, medida usada no comércio exterior que exclui frete e seguros, equivalente a R$ 2,46 bilhões pelo câmbio de sexta-feira) em importações de veículos elétricos e híbridos em regime de SKD (sigla em inglês que indica que o carro chega semidesmontado, com carroceria já pintada e grande parte dos sistemas instalados) e CKD (quando as peças chegam separadas e é preciso soldar, pintar e montar localmente). A BYD, que inaugurou recentemente sua fábrica na Bahia, beneficia-se do SKD. As montadoras que produzem no país torcem o nariz.

Para o benefício ser renovado, é preciso de aprovação da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão formado por representantes de dez ministérios. Na prática, porém, prevalece a decisão do presidente Lula, que vai orientar como as pastas vão votar no colegiado.

Em reunião recente com representantes da BYD, Lula ouviu o pedido de extensão das cotas de isenção tributária, mas evitou dar uma resposta direta. O presidente, segundo interlocutores, respondeu que os chineses terão as mesmas condições dadas às empresas instaladas no Brasil. Procurados, Palácio do Planalto, Mdic e Fazenda não se manifestaram.

Acordo com a Colômbia

Em outra reunião, desta vez com representantes da Anfavea e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, o presidente agiu em favor das montadoras tradicionais. Ao saber que a Colômbia não havia recomposto um tratado de comércio automotivo com o Brasil (que previa uma cota de 50 mil veículos brasileiros embarcados para aquele país com alíquota reduzida), que havia vencido em setembro, Lula pediu ao chanceler Mauro Vieira para entrar em ação.

Segundo presentes no encontro, Lula disse a Vieira que o presidente colombiano, Gustavo Petro, havia se comprometido a restituir o acordo durante uma reunião bilateral que tiveram no mês anterior, em Nova York. Depois de revelar que intercedeu pelas montadoras brasileiras, pediu ao ministro das Relações Exteriores que transmitisse ao governo colombiano que não iria à cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) no país vizinho se o tema não fosse resolvido. Dias depois, o acordo foi refeito, pouco antes de Lula viajar à Colômbia no meio da COP 30 para a reunião.

As montadoras tradicionais, que já enfrentam dificuldades para exportar, tratam o tema da cota de importação de kits de carros elétricos como prioridade para o setor. Reservadamente, seus representantes afirmam que o regime atual favorece empresas que se limitam à montagem básica, com baixa geração de emprego no país, ao mesmo tempo em que penaliza quem investe há décadas em fábricas, pesquisa e fornecedores locais.

Em conversas com ministros e técnicos do governo Lula, executivos das fabricantes locais mais antigas argumentam que, se a BYD conseguir manter por mais tempo o regime de isenção para kits semidesmontados, a mensagem enviada às matrizes das montadoras será a de que vale mais a pena importar carros praticamente prontos do que ampliar a produção local.

Para a BYD, que enfrenta bloqueios tarifários no mercado americano e nos principais países da Europa, o Brasil se tornou um mercado decisivo, onde dominou rapidamente o segmento de elétricos. Nas conversas em Brasília, seus representantes argumentam que o benefício fiscal para importar kits é temporário, não atende só à empresa e faz parte de uma fase de transição com o objetivo de garantir a competitividade do segmento.

Acordo prevê mudança

A companhia chinesa sustenta que segue um roteiro semelhante ao de outras montadoras que chegaram ao Brasil em décadas passadas, começaram com importação de kits e, gradualmente, foram localizando solda, pintura e fabricação de componentes.

No acordo firmado com o governo baiano e a União, a BYD se comprometeu a desenvolver uma cadeia de fornecedores locais e a expandir a fábrica de Camaçari para incorporar estágios mais complexos de produção. Pelo contrato, a partir de julho de 2026 a chinesa tem de aumentar o conteúdo local de seus carros e realizar, por exemplo, soldas e pinturas localmente.

Nos bastidores, executivos da empresa argumentam que, sem a cota, não faria sentido contratar mais 2 mil empregados para criar um novo turno, e importar linhas completas de carros prontos, o que prejudicaria os planos eleitorais do PT na Bahia que envolvem a reeleição do atual governador, Jeronimo Rodrigues, e Rui Costa disputando o Senado.

A BYD investiu numa relação próxima com Rui Costa e com o próprio Lula: além de assumir a fábrica abandonada pela americana Ford em Camaçari, em 2021, a empresa tem buscado o protagonismo em agendas do governo ligadas à transição energética. Esteve, por exemplo, na COP30, em Belém.

Do ponto de vista do mercado, a ascensão da BYD ajuda a explicar a escalada da disputa. Segundo a consultoria Kalume, a empresa respondeu por 87,5 mil veículos emplacados de janeiro a outubro deste ano, 13% mais que em todo o ano passado. Mesmo restrita aos modelos eletrificados, a BYD detém cerca de 3,5% de todos os emplacamentos de carros comerciais leves no Brasil, e consolidou fatia dominante no segmento de elétricos.

Avesso a confrontos públicos, Alckmin tem sinalizado internamente que a análise precisa se manter técnica. Em outubro, pouco depois de acompanhar Lula na inauguração da unidade da BYD em Camaçari, o vice visitou a Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP). Em discurso, definiu a montadora alemã como “uma fábrica com F maiúsculo”. A frase foi lida por executivos presentes como uma alfinetada ao que ainda faz a chinesa e uma pista do que o governo espera das fábricas de automóveis no país. Recentemente, Lula e Alckmin prestigiaram as montadoras tradicionais na abertura do Salão do Automóvel de São Paulo, que teve presença modesta da BYD.

Sindicatos divergem

O tema também divide os representantes dos trabalhadores. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, Julio Bonfim, defende a renovação da cota e argumenta que a BYD já emprega cerca de 1.400 operadores e monta em torno de 350 veículos por turno. O patamar é superior ao pico de produção da antiga Ford no mesmo local.

— A meta é alcançar 500 veículos por turno — afirma.

Já Moisés Selerges Júnior, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, região que concentra montadoras de veículos a combustão, diz que investimentos são bem-vindos, desde que gerem empregos de qualidade e cadeias locais de fornecedores:

— Somos contra tratamentos que desequilibrem a concorrência. Se a BYD recebe isenções para importar peças que já existem no Brasil, as outras montadoras vão questionar por que investiram tanto para produzir aqui.

Compartilhe esse artigo

Açogiga Indústrias Mecânicas

A AÇOGIGA é referência no setor metalmecânico, reconhecida por sua estrutura robusta e pela versatilidade de suas operações.
Últimas Notícias