O presidente da Vale, Gustavo Pimenta, acredita que a tensão comercial entre os Estados Unidos e a China pode representar uma oportunidade para a companhia. Segundo ele, a posição histórica de neutralidade do Brasil gera confiança entre parceiros dos dois blocos e pode fortalecer a empresa em meio à instabilidade geopolítica.
“Esse cenário pode até ampliar o nosso espaço no mercado internacional”, diz, em entrevista exclusiva a O Fator.
Pimenta, que assumiu a presidência da Vale em outubro do ano passado, afirma que o acordo de reparação da tragédia de Mariana, homologado no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi o caminho mais viável para todas as partes. Ele classificou a repactuação, no valor total de R$ 170 bilhões, como “o mais abrangente possível diante da complexidade do caso”. O executivo garante que a execução “já apresenta resultados concretos”.
Ainda segundo Pimenta, a Vale concluiu o processo de eliminação de todas as barragens em nível máximo de emergência e já investiu cerca de R$ 12 bilhões na descaracterização de estruturas. O cronograma prevê a conclusão definitiva do processo até 2035, com monitoramento integral e adequação a padrões internacionais de segurança.
O plano da mineradora é manter Minas Gerais como pilar estratégico de atuação. O objetivo é expandir operações em complexos como Capanema, Vargem Grande e Brucutu. Pimenta reforça que o minério da região tem papel central na descarbonização da siderurgia. O executivo ainda mostra otimismo com projetos de diversificação econômica em cidades como Itabira, além do processo de consulta pública para definir o futuro da área da antiga mina de Águas Claras, em Nova Lima.
Leia, na íntegra, a entrevista com Gustavo Pimenta:
O seu primeiro ano à frente da Vale já está no fim. Que análise faz do início de gestão? E quais as prioridades estratégicas para os próximos cinco anos?
Estou muito feliz com nosso primeiro ano. A gente tinha alguns objetivos muito claros. O principal deles era concluir o acordo de Mariana, e conseguimos logo em outubro. Tínhamos um plano de retomada de crescimento das nossas operações — e temos alcançado. A gente tinha o objetivo de seguir avançando em pautas relevantes para Minas e para nós, (como), por exemplo, a descaracterização de barragens.
Uma grande conquista recente nossa foi ter reduzido o nível de emergência de Forquilha, que era nossa última barragem em nível três. Hoje, a companhia não tem nenhuma barragem em alto nível de emergência. Acelerar esses avanços que tivemos nos últimos anos, para tornar a companhia mais segura, eficiente e estável operacionalmente, era uma grande prioridade. Acho que a gente já alcançou.
Olhando para o futuro, a gente tem falado muito do Vale 2030, que tem três pilares: o primeiro, é crescer o nosso portfólio de produtos. Então, (há) o objetivo de retomar o crescimento de minério de ferro. A gente não vislumbra chegar de novo a 400 milhões de toneladas, como, em algum momento, vários anos atrás, havíamos definido. Mas, de onde estamos hoje, a gente vê oportunidade de, ainda, crescer no minério de ferro. Temos falado em alcançar ao redor de 360 milhões de toneladas. Estamos fazendo 330 milhões — foi o que fizemos no ano passado. O projeto que inauguramos, em Capanema, está dentro desse plano de crescimento.
(É objetivo) crescer no cobre. A Vale não conseguiu crescer por várias razões que a gente pode discutir, mas cresceu pouco em metal de transição nos últimos anos. O cobre é uma commodity em que acreditamos muito. E, mais do que acreditar, também temos um potencial minerário muito grande a explorar. Então, (são metas) crescer o minério em ativos específicos que a gente pode discutir, retomar o crescimento do cobre e construir um portfólio lá na frente que esteja fazendo 360 milhões de toneladas de minério, 700 mil toneladas de cobre. Hoje, fazemos 350 mil (toneladas de cobre). Ou seja: (a meta) é dobrar o tamanho do cobre. Certamente, vai ser um portfólio vencedor na indústria.
O pilar número dois da visão de 2030 é seguir em nosso avanço, que a gente chama de evolução cultural. A companhia se transformou nos últimos cinco anos, a partir de Brumadinho, e a gente acha que essa jornada não acabou, há coisas a se fazer ainda. É uma pauta muito importante.
O terceiro é a retomada da reputação da companhia. A reputação pode ser medida de diversas formas, mas o que a gente está dizendo aqui é poder mostrar que a Vale, como vizinha, é uma companhia que melhora a vida das pessoas, que deixa um legado positivo nas comunidades que estão a nosso redor, e que isso é muito importante não só para a gente, mas para o setor da mineração.
A mineração precisa passar por um processo de reconquista da sociedade, e a gente está muito imbuído dessa agenda, que toca descarbonização, preservação ambiental e agenda social.
O quadrilátero ferrífero de Minas começa a apresentar balanços de declínio de reservas de alto teor. Como a Vale avalia a viabilidade econômica da mineração de baixo teor?
O minério de Minas tem uma característica positiva: é um minério concentrável. Então, a gente consegue trabalhar o aumento do teor desses minérios durante o processo produtivo. Essa é uma das grandes especialidades da Vale. Então, diria que a gente ainda tem bastante potencial de desenvolvimento aqui. Há potencial de combinar esse minério com o minério que a gente tem, por exemplo, em Carajás (PA), e formar produtos diferenciados na cadeia siderúrgica. Há potencial de seguir avançando.
Temos desenvolvido, com os minérios que a gente tem aqui, de produzir não só a pelota mas, por exemplo, o briquete verde. Existe uma oportunidade de a gente seguir trabalhando no minério de Minas, para que possamos atender principalmente a cadeia da descarbonização. Esse minério de Minas Gerais é muito benéfico para a transição energética, combinado com os demais minérios que temos na cadeia.
Minas ainda tem potencial de crescimento e, não tenho dúvida, Capanema é um exemplo, (tal qual) Vargem Grande, que a gente entrou em operação recentemente. Todos os nossos complexos na região estão crescendo. Brucutu, por exemplo, tem um minério de alto teor, muito fundamental e importante para a descarbonização da cadeia siderúrgica. A gente, hoje, faz 23 milhões de toneladas. Estamos com o plano de chegar a 31 milhões e de voltar com a linha de 30 em Brucutu. Há oportunidade de crescimento em todos os complexos. Minas é muito importante no processo de descarbonização da cadeia.
Com a previsão de esgotamento das maiores reservas em cidades como Itabira até 2041, que modelo de transição econômica e social a Vale apoia para evitar um colapso em cidades muito dependentes da mineração e mesmo da companhia? Há algum plano para desenvolver cadeias produtivas alternativas a fim de aproveitar de alguma forma o trabalho feito atualmente?
Falando especificamente de Itabira, temos trabalhado muito fortemente em um processo de diversificação econômica. A gente apoia uma iniciativa chamada Itabira Sustentável e temos feito investimentos locais no sentido de criar outras fontes de receita, de arrecadação e de negócios para Itabira. Acho, inclusive, que a gente provavelmente vai estender a vida útil dessa mina. Temos um documento oficial da companhia, o 20-F, que fala sobre recursos e reservas, mas seguimos explorando a região.
Tenho muita confiança de que a gente. provavelmente, ai ter mais minério aí por décadas adiante, mas, independentemente disso, a gente busca alternativas de diversificação econômica. Ainda que a gente opere em Itabira por um período mais longo que o indicado nesse documento, nossa visão é de que apoiar a cidade para desenvolver alternativas de negócio é importante.
O trabalho de fechamento de mina é outro tema relevante. Estamos fazendo um grande trabalho em Nova Lima, com a mina de Águas Claras, uma mina histórica da Vale. Compramos a mina muitos anos atrás. Essa mina está desativada e temos feito um grande processo de escuta na região, com os moradores, para ver o que fazemos. O Parque das Mangabeiras era uma mina. Então, a gente tem a oportunidade de reinserir um equipamento para a sociedade, para fazer cultura, lazer e ecoturismo. A gente quer mostrar a comunidade local.
Já existem conversas com as prefeituras de Nova Lima, Belo Horizonte e Sabará sobre a Mina de Águas Claras? Há algum projeto em vias de acontecer?
A gente abriu um grande processo de escuta. Tem uma audiência pública acontecendo agora, em setembro. Houve mais de 4 mil contribuições. Se você rodar em Nova Lima, vai ver tendas nossas coletando feedbacks da sociedade, da comunidade, (sobre) o que gostariam de ver ali. É uma área muito bacana, em localização muito especial, em uma região muito bonita de Belo Horizonte.
Tem uma oportunidade de a gente fazer ecoturismo, atividades a céu aberto, lazer e esporte. Estão vindo muitas ideias bacanas, o time vem trabalhando em série de cenários. A gente certamente vai fazer aquilo que a sociedade entender que é o que mais agrega valor. Queremos mostrar que, de fato, essas minas podem regressar para as comunidades e gerar benefícios. Não se tomou uma decisão ainda. Essas audiências públicas vão definir para que lado a gente vai. Então a gente quer mostrar, esse é um exemplo que a gente quer mostrar de que de fato essas minas podem regressar para a comunidade, gerar um benefício para eles. Não se tomou uma decisão ainda e essas audiências públicas vão definir para que lado a gente vai.-
A Vale tem promovido um programa de descaracterização de barragens. Como avalia o progresso desse programa de descomissionamento? Quais são os principais desafios tecnológicos e operacionais para concluir todos os descomissionamentos até 2035?
Hoje, já investimos R$ 12 bilhões (em descomissionamentos) — e ainda temos mais R$ 15 bilhões para investir. Das 30 estruturas que a gente prometeu à sociedade mineira e ao país que seriam descaracterizadas, já fizemos quase 60%. O programa está indo muito bem. Estou muito feliz com o andamento do trabalho. O fato de a gente não ter mais nenhuma barragem de nível 3 é muito simbólico e importante.
O desafio é técnico, efetivamente. Sempre digo ao time que vamos seguir sempre a melhor técnica possível. Ele (o projeto) tem prazo longo. A última (barragem) seria descaracterizada em 2035, mas isso vai, ao longo do tempo, caindo de nível e ficando menos relevante do ponto de vista de risco de emergência. O avanço foi muito grande, mas tem trabalho para fazer. Vamos seguir bastante engajados.
Passamos por uma transformação muito grande pós-Brumadinho, do ponto de vista organizacional de estrutura. A gente reforçou todos os nossos times técnicos de geotecnia, criamos o que chamamos internamente de linhas de defesa, áreas independentes para validar o trabalho das áreas de operação, e nos engajamos realmente em grande processo de transformação cultural para poder ter estruturas e um modelo de gestão mais eficiente.
Hoje, 100% das nossas barragens são monitoradas 24h em todos os dias da semana, com a melhor tecnologia do mundo. Passamos a ser referência em gestão de barragens do mundo.A gente também promoveu, lá fora, um novo modelo de gestão de barragens, que é o de GISTM, o Padrão Internacional para Gestão de Barragens, que foi elaborado pelo ICMM, órgão internacional que junta todas as grandes mineradoras do mundo.
O ICMM soltou, depois de Brumadinho, orientações em relação à gestão de barragens, como deveria ser em todos os sentidos: físico, de gestão e de monitoramento. Em agosto, alcançamos 100% de aderência aos melhores padrões internacionais. Então, tem um avanço muito grande, e não é só uma questão de recurso, mas de gestão e de modelo organizacional. Estou muito feliz com o avanço, mas ainda tem trabalho a ser feito.
Você citou, na última resposta, tudo que tem sido feito para mudar a gestão operacional das barragens. Em sua avaliação, quais foram as principais decisões em prol da segurança dessas estruturas? Enquanto mineiro, está otimista e satisfeito com o que foi feito, depois de Brumadinho, para garantir a segurança? As barragens da Vale são mais seguras que em 2019?
Estou na companhia desde 2021, porque eu cheguei no pós-Brumadinho, ainda na gestão de Eduardo (Bartolomeo). A gente vem trabalhando, desde então, nesse processo mais amplo de transformação. A decisão de ter assumido o compromisso de eliminar as barragens a montante foi muito importante, mas não foi só isso. Todo o desenho e redesenho organizacional, as linhas de defesa, investimentos em tecnologia: a empresa não mediu esforços pra poder ter, aqui, o que há de melhor no mundo do ponto de vista de gestão de barragens. Algumas coisas que a gente desenvolveu, inclusive, nem existiam na indústria mundial.
Me sinto muito cômodo em relação ao trabalho que o time vem fazendo. É uma jornada. A gente avançou bastante, e acho que os resultados que temos obtido, ao longo desses anos, mostram que, de fato, estamos na direção certa. A gente avançou muito, tem coisas para fazer, mas a companhia, hoje, é completamente diferente da companhia em 2019. Completamente diferente.
Que avaliação faz do acordo de repactuação de Mariana, assinado no ano passado?
Estive muito próximo a esse acordo ao longo dos anos, porque, como vice-presidente financeiro, em algum momento, há dois ou três anos, assumi a liderança do acordo dentro da companhia. Estive em inúmeras reuniões e mesas de negociações, inclusive depois que a responsabilidade passou para o TRF-6, aqui em BH.
É um acordo muito completo, que ouviu todas as partes da sociedade, e muito relevante do ponto de vista financeiro. São R$ 170 bilhões. É o maior acordo já firmado para um desastre dessa magnitude. Então, é o melhor acordo possível, não tenho a menor dúvida em relação a isso.
O que a gente vê é uma grande aderência ao acordo. Abrimos, por exemplo, o Plano de Indenização Individual (PID). Já tivemos quase 300 mil pessoas entrando com pedidos de indenização. Os avanços na reparação estão caminhando. É um acordo robusto, que envolveu todas as partes da sociedade. Que a gente, daqui para a frente, possa executá-lo da melhor forma, o mais rápido possível, para que a sociedade veja, de fato, os benefícios da reparação — ou os impactos da reparação — chegando.
Dos R$ 170 bilhões do acordo, R$ 37 bilhões foram usados na Fundação Renova. Vendo em retrospectiva, o que a Renova fez valeu a pena para a Vale? A fundação foi um erro?
Acho que a Renova foi constituída com a melhor das intenções, porque ali você trouxe vários agentes que tinham sido afetados pelo desastre em um objetivo muito genuíno de ter uma executiva ampla para que as coisas fossem resolvidas. Muito se avançou. A Renova fez muita coisa positiva. As reconstruções de Bento (Rodrigues), de Paracatu e de Paracatu de Baixo estão prontas e foram conduzidas sob a gestão da Renova.
Olhando para trás, talvez tivesse tido mais celeridade se houvesse uma governança mais simples. Acho que esse aprendizado fica. As intenções foram positivas, mas criou uma governança que talvez tenha gerado um ritmo mais lento do que a gente gostaria. Acho que foi superado com o acordo, isso agora está nessa marca, que está acelerando para poder concluir o mais rápido possível os compromissos que foram assumidos.
Recentemente, representantes dos governos dos EUA sinalizaram muito interesse nas reservas brasileiras de terras raras, essenciais para a transição energética. A Vale ainda não atua muito diretamente nesse setor. Você vê, para o futuro, a companhia ampliando participação no setor de terras raras?
Esse debate apenas reforçou a enorme oportunidade que o Brasil tem. Temos a tabela periódica em nosso território. Da grande maioria dos minerais críticos — as terras raras são um deles, mas há uma série de outros, como o cobre e o níquel —, temos reservas que são as maiores do mundo, com enorme potencial de desenvolvimento. Acredito profundamente que os minerais críticos serão o petróleo desse próximo século. Todo o mundo está de olho nisso. O Brasil, de novo, tem um posicionamento muito único. Estamos muito imbuídos do crescimento de metais de transição. Estamos basicamente, hoje, no cobre, com alguma oportunidade no níquel. O cobre é um metal em que a gente tem muita confiança e quer seguir avançando. O cobre é fundamental para a transição energética e pode, sim, ser considerado crítico nesse sentido.
Os minérios de ferro de alto teor também são minerais críticos, porque a descarbonização da cadeia siderúrgica vai precisar do minério de ferro de alto teor. O avanço sobre outras commodities é algo que a gente sempre estuda e, obviamente, avaliamos isso comparado ao desenvolvimento do que já temos. Hoje, quando olho o meu portfólio, vejo mais oportunidade no que a gente já tem. Mas estamos sempre estudando e avaliando se tem algo que deveria fazer sentido no nosso portfólio.
Houve, na imprensa, críticas sobre um possível processo de saída da Vale de Minas nos últimos meses, com uma ampliação do interesse da empresa no Pará. Com a reabertura da Mina Capanema em Ouro Preto, a empresa consegue rebater a alegação de ‘desmineirização’? Ainda dá para chamar a Vale de empresa mineira?
Uma empresa mineira, brasileira e global. Minas é muito relevante, foi o passado da Vale, é o presente e certamente será o nosso futuro. A gente tem uma operação muito importante aqui. Quarenta e cinco por cento do nosso negócio está em Minas, Inauguramos Capanema e uma outra planta, a de Vargem Grande, de 15 milhões de toneladas, entrou em operação recentemente. Sim, estamos em expansão em Minas Gerais. É um mercado muito importante para nós, fundamental para o futuro da Vale. Não consigo ver a Vale vencendo e se posicionando como líder na indústria de mineração sem ter uma presença muito forte em Minas. O que a gente quer é expandir aqui nesse mercado, que é muito importante.
Quando houve o anúncio do tarifaço dos EUA, algumas entidades de mineração chegaram a calcular risco de quase R$ 1 bi para o setor. O governo norte-americano acabou recuando em vários pontos e sendo mais light do que se esperava com o setor mineral. Como uma empresa como a Vale se prepara para um cenário geopolítico tão conturbado?
Somos operadores globais e o mercado de commodities por natureza é um mercado mundial. Então, no nosso planejamento estratégico, esse é um debate super relevante, No caso específico da Vale, o impacto tarifário foi bastante limitado, porque a gente vende pouco para os Estados Unidos no minério de ferro. A gente vende um pouco de pelotas, mas não é muito. O que a gente vende bastante para os Estados Unidos são os metais de transição, principalmente níquel, a partir do Canadá.
Todos esses minerais ficaram isentos, porque a grande, talvez, vantagem que temos é que os Estados Unidos não têm substituto. Eles não produzem esses minerais lá. Então, entraram na tabela de isenção e acabaram não impactando a gente, mas essa é uma variável super importante. Qualquer empresa que esteja inserida no mundo das commodities tem que ter isso no seu planejamento estratégico, tem que ter planos de contingência, de mitigação e estar sempre refletindo sobre isso.
Há uma guerra comercial dos EUA com a China, e o Brasil tem ampliado a presença no mercado chinês, impulsionado pelos Brics, bloco que tem entrado na mira do governo americano. A Vale se preocupa com a relação conturbada entre os EUA e a China?
Até acho que é uma oportunidade, na verdade, porque nesse mundo mais desafiador do ponto de vista geopolítico, somos um país neutro na essência. Historicamente, o Brasil sempre se posicionou de forma neutra. Temos muita relação com as empresas americanas e muita relação com as empresas chinesas, asiáticas. Pelo que a gente vem acompanhando no debate com clientes, fazer negócio com a Vale nesse ambiente dá até certo conforto.
A gente pode ter, inclusive, uma oportunidade de ganhar market share num cenário instável geopolítico, pelo fato de termos, historicamente, sempre trabalhado com os dois, independentemente dos seus objetivos políticos
No ano passado, houve muitas notícias sobre uma tentativa do governo federal de emplacar Guido Mantega no comando da Vale. Como tem sido a relação da empresa com o governo federal?
Há uma boa avaliação em todos os âmbitos. Depois que assumi, tomei a decisão de sentar com os estados, com os municípios, me reunir com prefeitos e com o governo federal, com o presidente Lula e com os ministros. Posso dizer que, hoje, as relações estão muito construtivas. Anunciamos (em Capanema), por exemplo, um plano de R$ 67 bilhões. A gente vai gerar renda, emprego, desenvolvimento econômico e preservação ambiental, porque a mineração legal preserva o meio ambiente.
O Vale 2030 é quase uma pauta de alinhamento total ao Estado brasileiro. Queremos crescer, queremos crescer em metais de transição, queremos cuidar das comunidades, queremos melhorar a reputação da companhia e da indústria. Percebo que isso gera uma facilidade de diálogo. Todo mundo quer gostar da Vale. A Vale está no coração de todos de uma certa forma. Passou por desafios importantes, vem se reconstruindo, mas percebo que as pessoas querem gostar da gente. Com uma pauta positiva, boa, progressista, e voltando a crescer, não tenho dúvidas de que a gente vai conseguir manter essa relação estável.
A Justiça da Inglaterra está julgando, há alguns anos, uma ação sobre o rompimento da barragem de Mariana contra a BHP Billiton. A Vale não é parte desse processo, mas imagino que acompanhe muito de perto essa questão, até porque o mesmo escritório aciona a companhia em outros países por causa da tragédia. Que análise a Vale faz a respeito da possibilidade de municípios e cidadãos acionarem empresas por outras jurisdições?
A BHP é ré nesse processo, mas a gente sempre trabalhou com a BHP no espírito da parceria dos 50% a 50% para todos os impactos e necessidade de reparação. Isso segue. A gente tem uma parceria muito boa com eles nesse sentido, os dois com a cabeça de avançar nas reparações e poder progredir. Nossa visão sempre foi que o local correto para o acordo era o Brasil. Foi um acidente, um evento que ocorreu no país, complexo, que se estendeu do ponto de vista de negociação, mas finalmente, em outubro do ano passado, a gente conseguiu alcançar um acordo muito completo e que envolve todas as partes: governo federal, estaduais Ministério Público e Supremo.
Foi um acordo aprovado e homologado no Supremo Tribunal Federal. Isso fortalece muito a nossa visão; que continua sendo de que toda a reparação deve ser a partir do acordo que foi firmado. Ele (o acordo) tem cronograma, que as pessoas que se sentirem impactadas pelo acidente de Mariana deveriam buscar compensações — e a gente criou várias janelas para isso. Estamos muito cômodos de que esse deveria se o acordo. Portanto, as discussões lá fora têm uma enorme sobreposição em relação àquilo que está sendo discutido (no Brasil). A gente entende que ela (a Justiça do Reino Unido) não tem base para seguir. Deveríamos liquidar e seguir adiante com o acordo firmado no Brasil.
A empresa avança após as tragédias de Mariana e Brumadinho, como fazer a sociedade também seguir em frente e enxergar a mineração com outros olhos?
Cresci ao redor da Vale, vendo os caminhões por aí. Tenho parentes que trabalharam na Vale. Foi uma dor muito grande para o mineiro, e sinto essa dor. A gente vem trabalhando para fazer uma mineração diferente. A mineração precisa estar em processo de transformação para uma mineração do futuro, mais segura, que utiliza menos recursos naturais e não utiliza barragens. Isso já é realidade. A gente, de certa forma, se fechou dentro de casa nos últimos anos. Saímos um pouco desse debate público. Você, provavelmente, escutou pouco da Vale que não fosse em relação aos temas da reparação. Estávamos muito focados em resolver nossos problemas para poder estar aqui, hoje, para falar.
É uma companhia diferente. A gente consegue fazer a mineração diferente. Hoje, a gente vive mais e melhor ,muito porque algo foi minerado. Se você olhar os equipamentos de ultrassom, avião e telefone, tudo é minério. E, quando olhamos para o futuro, a necessidade de minério vai ser muito maior, no sentido de melhorar a vida também. A inteligência artificial não existe sem minério.
Queremos sair de uma conversa de que somos necessários e essenciais para mostrar que a mineração, na verdade, gera impacto positivo para a sociedade, seja ambiental ou social. (Queremos mostrar) que as comunidades a nosso redor são beneficiadas de uma forma diferente e que há, de fato, impacto positivo. Acredito profundamente que isso é possível. É nesta missão que estamos.
Por isso, colocamos a reputação como pilar estratégico da companhia. Essa é nossa missão. Tenho muita confiança de que a gente vai conseguir virar esse jogo. Começamos a ver sinais de recuperação na reputação, mas está longe de onde a gente quer chegar.