
A indústria brasileira de caminhões atravessa 2025 em marcha lenta. O que começou como um ano promissor, com projeções de crescimento econômico, safra robusta no agronegócio e demanda reprimida por veículos pesados, acabou se transformando em um período de retração para quase todos os segmentos.
De janeiro a setembro, as vendas somaram 84 mil unidades, uma queda de 7,7% em relação ao mesmo período de 2024. No segmento de pesados — responsável por quase metade do mercado — o tombo ultrapassou 20%, segundo dados da Anfavea, a associação das montadoras.
Para o presidente executivo da entidade, Igor Calvet, o desempenho reflete o peso dos juros elevados e das dificuldades de crédito, especialmente no campo. “O mercado de caminhões pesados vai muito mal. Esse grupo carrega grande parte do setor, e o crédito caro tem afastado o transportador da compra de novos veículos”, afirmou. A taxa de juros em 15% ao ano tem travado financiamentos, minando a renovação da frota e alongando o ciclo de substituição de caminhões iniciado em 2023.
A produção também recuou, acompanhando a fraqueza nas vendas. De janeiro a setembro, as montadoras fabricaram 98,6 mil unidades, uma queda de 4% frente ao mesmo período do ano anterior. Em setembro, foram produzidos 10,1 mil caminhões, volume 23,5% menor do que o registrado um ano antes. Ainda assim, há um ponto de alívio: na comparação com agosto, o setor manteve estabilidade — sinal de que o fundo do poço pode estar próximo.
Exportações dão fôlego ao setor
O principal ponto de respiro vem das exportações, que cresceram 84,7% no acumulado do ano, com 21,6 mil caminhões enviados ao exterior até setembro. Os embarques têm sustentado parte da atividade industrial e evitado quedas mais acentuadas na produção. Só em setembro, foram 2,7 mil unidades exportadas, alta de 56% sobre o mesmo mês de 2024.
“O câmbio competitivo e a abertura de novos mercados ajudam a compensar a fraqueza doméstica”, avaliou Calvet. Países da América do Sul e da África têm aumentado pedidos, o que mantém algumas linhas de montagem operando em ritmo constante.
Renovação de frota volta à pauta
A Anfavea retomou o diálogo com o governo federal e o BNDES para estruturar um programa nacional de renovação de frota, uma demanda antiga da indústria. A ideia é criar linhas de crédito acessíveis para pequenos e médios transportadores substituírem veículos antigos, reduzindo custos operacionais e emissões.
“A renovação é uma das chaves para a retomada. Ela gera demanda, estimula a indústria e traz ganhos ambientais”, disse Calvet. Segundo ele, há expectativa de que novos programas possam ser anunciados em 2026, caso a trajetória de juros comece a ceder.
Empregos e resistência industrial
Mesmo com o cenário adverso, as montadoras têm conseguido preservar empregos e parte da capacidade produtiva. O setor manteve cerca de 5 mil vagas nos últimos 12 meses, apoiado em férias coletivas e programas de qualificação. Apenas o segmento de pesados perdeu 180 postos de trabalho, reflexo das medidas de ajuste em fábricas como a Scania, em São Bernardo do Campo (SP), e a Volvo, em Curitiba (PR).
“As empresas têm mostrado responsabilidade em um momento delicado. Estão ajustando o ritmo, mas mantendo a base produtiva para reagir quando o mercado melhorar”, afirmou o executivo.
Cautela com otimismo
O desempenho trimestral mostra bem o vaivém do setor: crescimento de 8,8% nas vendas no primeiro trimestre, queda de 5,5% no segundo e retração de 14% no terceiro. Mesmo assim, há espaço para um tom otimista. A expectativa de cortes nos juros em 2026, combinada com o avanço das exportações e a perspectiva de novos programas de financiamento, pode reabrir caminho para a recuperação.
“O transporte de carga é um termômetro da economia. Quando os caminhões voltarem a rodar em volume, será sinal de que o país também retomou o crescimento”, concluiu Calvet.
Até lá, a indústria segue em movimento — com o pé no freio, mas o olhar firme na estrada da retomada.