Jean Paul Prates: Petrobras, etanol e COP30, assuntos que não se misturam?

Tenho ouvido rumores de que a Petrobras estuda voltar à produção de etanol por meio de uma joint venture com grandes grupos do setor sucroenergético. A ideia, aventada sob o pretexto da “retomada do etanol” dentro da agenda de transição energética, reacende um debate antigo: faria sentido a Petrobras repetir uma aposta que, no passado, mostrou-se custosa e infrutífera?

Entre 2008 e 2015, a estatal já percorreu esse caminho com a Petrobras Biocombustíveis (PBio). Naquele período, a diversificação parecia estratégica, mas o resultado foi desastroso. A companhia comprou caro e vendeu barato, adquirindo participações em usinas de etanol e biodiesel no auge dos preços do açúcar e do petróleo, e saindo depois, em meio à queda de margens e à falta de sinergias operacionais.

O problema não foi a ideia de diversificar, mas a forma e o momento. O setor sucroenergético é essencialmente agrícola, dependente de clima, safra e políticas instáveis. Já a Petrobras é uma empresa de engenharia e capital intensivo, acostumada a grandes projetos industriais e horizontes de investimento de longo prazo. Entrar novamente em um mercado de margens estreitas e riscos sazonais seria repetir um erro de natureza estratégica e de identidade empresarial.

O aprendizado da PBio deveria ter sido definitivo: a Petrobras não tem vantagem competitiva na produção agrícola. Seu papel é industrial, tecnológico e logístico – integrar a biomassa em cadeias de maior valor agregado, como o etanol 2G, o biometanol, o HVO e o SAF (combustível sustentável de aviação). É nesse campo que o investimento público pode gerar inovação, competitividade e escala, sem distorcer mercados já maduros.

Mesmo assim, voltam a circular sinais de uma possível entrada minoritária em joint ventures com grandes grupos privados. O risco é investir capital público em um negócio sem controle e sem diferencial competitivo, em parceria com empresas que já dominam o setor e não precisam de um novo sócio. O setor de etanol não carece da Petrobras; o que busca é legitimidade política dentro dela – especialmente num contexto em que a “transição energética” passou a ser também uma disputa de influência e poder.

Há quem veja nesse movimento uma tentativa de compensar o desgaste ambiental da estatal frente às críticas sobre a perfuração da Foz do Amazonas. Outros enxergam uma sucumbência à força do setor sucroalcooleiro, que hoje domina o Ministério de Minas e Energia e influencia a própria Agência Nacional do Petróleo. Se confirmada, seria uma forma de captura institucional, na qual grupos privados de biocombustíveis passariam a interferir nas decisões estratégicas da principal empresa pública do país.

Essa perda de rumo se reflete também no silêncio da Petrobras diante da COP30. A companhia parece reclusa, sem o que apresentar em um evento que deveria ser palco natural de sua liderança mundial. Provavelmente porque não há muito o que mostrar que esteja à altura do que se espera da maior estatal brasileira.

A pauta energética nacional foi monopolizada pelos biocombustíveis, promovidos como “combustíveis do futuro” – quando, na verdade, são apenas combustíveis de transição, válidos por um tempo limitado até a eletrificação e a digitalização da economia se consolidarem. A velha frase – “temos a matriz energética mais limpa do planeta” – segue sendo o refrão oficial. Mas essa “limpeza” decorre da herança hidrelétrica dos anos 1960 e de um ciclo eólico-solar que hoje agoniza por falta de planejamento, curtailment, defasagem na transmissão e paralisia regulatória.

Na Petrobras, o cenário é ainda mais simbólico. Investimentos em renováveis foram minimizados, e, no caso do offshore, adiados. A tônica voltou a ser “somos uma empresa de petróleo e gás”, um discurso cada vez mais incompatível com a vitrine climática da COP. Pesquisas, patentes e projetos de descarbonização industrial também perderam fôlego, em parte por competirem com o lobby dos biocombustíveis e pela ausência de metas claras de inovação.

Ignora-se, assim, o papel transformador do Cenpes e do parque industrial da Petrobras, verdadeiros tesouros nacionais da engenharia e da ciência aplicada. O Cenpes foi, por décadas, referência mundial em tecnologia de exploração em águas profundas, refino avançado e novos combustíveis. É justamente essa base, humana e tecnológica, que deveria estar sendo mobilizada para liderar o hidrogênio e a amônia verdes, os combustíveis sintéticos e o reaproveitamento de CO2, além de ancorar o desenvolvimento da eólica offshore na Margem Equatorial.

Se alguém pode literalmente ancorar essa nova fronteira energética, é a Petrobras, e não uma joint venture agrícola.

Ainda assim, não será surpresa se a estatal anunciar, em breve, uma “parceria” com o agronegócio exportador, formalizando sua entrada no upstream dos biocombustíveis. Seria mais uma tentativa de corrigir imagem com marketing, e não com estratégia, repetindo a lógica de gestos simbólicos em lugar de políticas de Estado.

Essa convergência confunde política setorial com política nacional de energia. A Petrobras deve atuar onde o capital privado não chega: nas fronteiras tecnológicas, nos minerais críticos, na integração entre energia, indústria e inovação. Seu papel é induzir avanços estruturantes, e não disputar protagonismo em mercados maduros.

A Petrobras tem recursos, reputação e credibilidade suficientes para liderar a próxima geração de tecnologias limpas, reposicionando o Brasil como potência industrial de baixo carbono. O mundo não espera da estatal gestos de marketing verde, mas projetos concretos: cadeias de hidrogênio, parques híbridos, química verde e soluções marinhas sustentáveis. É isso que diferencia uma empresa que se adapta de uma que transforma.

O etanol é importante, mas a Petrobras precisa agir em outra escala: a da energia como vetor de soberania, ciência e desenvolvimento.

Repetir o erro da PBio, agora sob o pretexto da “transição energética”, seria um retrocesso travestido de avanço verde.

A Petrobras tem estrutura, história e competência para conduzir o Brasil ao futuro energético, desde que não se deixe conduzir pelo passado.

*Jean Paul Prates é chairman do Cerne (Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia) e ex-presidente da Petrobras.

Compartilhe esse artigo

Açogiga Indústrias Mecânicas

A AÇOGIGA é referência no setor metalmecânico, reconhecida por sua estrutura robusta e pela versatilidade de suas operações.
Últimas Notícias