
Um novo modelo de financiamento imobiliário promete aumentar a oferta de crédito para a classe média. A ideia é moderniza o SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), liberando parte dos recursos que antes ficavam obrigatoriamente retidos no Banco Central para aumentar a oferta de financiamentos habitacionais.
Esse é um pedido antigo do setor, que fazia coro com a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).
“Parte dos recursos que ficavam retidos no Banco Central (depósito compulsório) serão usados para aumentar a oferta de financiamentos habitacionais, especialmente para famílias com renda entre R$ 12 mil e R$ 20 mil por mês, um segmento hoje pouco atendido pelas modalidades existentes. Utilizando apenas 5% do compulsório, serão injetados R$ 37 bilhões a mais do que foi financiado no acumulado de 2025”, afirma Renato Correia, presidente da associação.
As principais condições do novo modelo são o aumento do limite máximo do imóvel financiado de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhões, financiamento de até 80% do valor do imóvel (na Caixa), taxa de juros limitada a até 12% ao ano (incluindo tarifas e comissões), e possibilidade de uso do FGTS para entrada, amortização ou quitação do financiamento.
A meta é liberar até R$ 150 bilhões em novos financiamentos até 2027, com uma fase de transição que começa já em 2025.
Essa reformulação do crédito imobiliário busca tornar o financiamento mais atrativo e acessível, especialmente para a classe média que não se enquadra no programa Minha Casa Minha Vida nem consegue arcar com as taxas dos financiamentos privados, estimulando o setor de construção civil e gerando mais empregos no país.
Uma mão lava a outra
A construção civil criou 194,5 mil vagas de janeiro a agosto de 2025, o equivalente a 13% de todos os novos empregos formais no país. Ainda assim, o número representa uma desaceleração em relação ao mesmo período de 2024, quando o setor abriu 214,6 mil postos de trabalho. O levantamento foi realizado pela CBIC com base nos dados do Caged.
O motivo principal para a freada é o mesmo vilão que aterroriza outros segmentos da economia: os juros altos.
Com a Selic estacionada em 15% ao ano, a tomada de crédito encareceu e os investimentos em novas obras começaram a minguar. Afinal, os juros altos não dificultam só a compra de imóveis, como também a construção deles.
O mercado imobiliário brasileiro se estruturou em cima de duas grandes fontes de financiamento: o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e as cadernetas de poupança.
O FGTS depende, justamente, do mercado de trabalho, e é a base para os financiamentos do programa Minha Casa, Minha Vida. Apesar da Selic a 15% ao ano, quem compra por meio de programas que se financiam por FGTS consegue uma taxa de, no máximo,8% ao ano.
Na outra ponta, há a caderneta de poupança como fundo para os financiamentos, fonte muito mais escassa e que foi remodelada nessa última atualização.
“O processo produtivo da construção é longo. As obras que geram empregos hoje ainda é resultado de vendas passadas. Mas o cenário atual de juros altos está inibindo novos investimentos”, afirma Renato Correia, presidente da CBIC.
Leia a entrevista completa com Renato Correia, presidente da CBIC:
EXAME: Qual o panorama, hoje, da taxa Selic e qual sua relação com o financiamento imobiliário?
Renato Correia: O mercado imobiliário brasileiro se estruturou em cima de algumas fontes de financiamento, entre elas o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e as cadernetas de poupança.
O FGTS depende do mercado de trabalho, que vai muito bem, porque o mercado está aquecido. Enquanto isso, o programa Minha Casa, Minha Vida, que usa o crédito vindo desse fundo, evoluiu muito.
Apesar da Selic a 15% ao ano, quem compra pelo FGTS compra no máximo a 8% ao ano. Os juros altos interferem somente na comprovação de renda, causando uma menor aprovação para o crédito, mas nada que comprometa o programa de forma macro.
Na outra ponta, há a caderneta de poupança como fundo para os financiamentos fora do Minha Casa, Minha Vida, que está muito mais escasso.
EXAME: Como a taxa alta de juros interfere na construção civil?
Renato Correia: A caderneta de poupança, que é uma das bases do financiamento imobiliário, reduziu pela metade o montante destinado ao financiamento direto às construtoras entre 2024 e 2025. Em 2024, destinou pouco mais de R$ 50 bilhões, e em 2025, a previsão reduziu para cerca de R$ 25 bilhões.
Com a redução do crédito via poupança, as empresas foram forçadas a recorrer ao “dinheiro de mercado” para financiar seus projetos. Ao recorrer ao mercado, o custo do empréstimo se eleva, pois significa pagar a Selic mais alguma coisa. Isso pode levar a taxas de 15%, 16% ou 17%.
Por isso há cada vez menos lançamentos para a classe média, porque nem todo projeto vai suportar uma taxa tão alta para a construção.
EXAME: Se o fundo da poupança tem ficado tão escasso, como o modelo que amplia o acesso da classe média ao crédito foi possível?
Renato Correia: O governo federal regulamenta um dinheiro que é privado, que é o da poupança. Há muito tempo há a preocupação com a caderneta de poupança, que tem sofrido vários saques pelos juros altos, já que há, atualmente, muitas alternativas mais rentáveis à poupança.
Se mantivermos as regras como estão, não haveria um incremento razoável dos depósitos. Hoje, de todos os depósitos realizados, 65% devem ser aplicados no mercado imobiliário pelos bancos, 20% ficam obrigatoriamente em depósito compulsório e 15% fica de livre utilização para os bancos.
A nova regra diz que, para cada financiamento imobiliário que um banco fizer, ele pode pegar o mesmo valor da caderneta de poupança para investir como quiser. Assim, ele ganha dinheiro com a poupança, enquanto consegue dar um desconto maior na taxa de quem está financiando um imóvel com ele.
É um mecanismo novo, que precisa de testes para entender sua real atratividade. O governo aceitou nossa sugestão, e 2o26 será o ano de teste para essa nova forma de financiamento. Dando tudo certo, 2027 começa para valer, quando será possível usar 100% dos recursos de poupança para o mercado imobiliário.
Por enquanto, parte dos recursos que ficavam retidos no Banco Central (depósito compulsório) serão usados para aumentar a oferta de financiamentos habitacionais, especialmente para famílias com renda entre R$ 12 mil e R$ 20 mil por mês, um segmento hoje pouco atendido pelas modalidades existentes. E, utilizando apenas 5% do compulsório, serão injetados R$ 37 bilhões a mais do que foi financiado no acumulado de 2025.
EXAME: Quais as condições para isso dar certo?
RC: Para que isso funcione maravilhosamente bem, os juros têm que baixar. Tinha que ser, no máximo, de 10% ao ano.
Fora isso, temos que avaliar também o quanto os bancos vão aceitar limitar os juros a 12% ao ano, que é mandatório para que eles possar usar o valor equivalente do financiamento livremente.
EXAME: Como você vê o crédito para a reforma de imóveis do MCMV?
RC: Acredito que há o uso do dinheiro do FGTS para essa reforma, ou seja, vindo do mercado de trabalho. E é muito importante para a baixa renda que precisa reformar sua casa. Faz sentido tentar socorrer essas famílias, fora que isso fomenta o varejo. Está de bom tamanho, bem dimensionado.