Maquinário agrícola fruto de crime no Brasil vira moeda de troca no Paraguai

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Quadrilhas especializadas estão transformando o interior do Brasil em território de caça a tratores e caminhonetes. No primeiro semestre deste ano, os crimes contra o agronegócio saltaram 37,5%, com máquinas sendo descaracterizadas e revendidas em outros países.

Os dados, comparativos ao mesmo período de 2024, são do Grupo Tracker, especializado na oferta de soluções contra roubo e furto de veículos. Na mira também estão veículos pick-ups, especialmente caminhonetes Hilux a diesel, que registraram alta de 22,8%. Gerente de Comando e Monitoramento do Grupo Tracker, Vitor Corrêa observa que o crescimento da frota agrícola e a operação em áreas de grande extensão contribuem para a exposição ao crime.

Após o furto, as máquinas são frequentemente descaracterizadas, com remoção de placas e identificações, e revendidas em outros estados e países. “Pick-ups também atraem criminosos por servirem de transporte para cargas e maquinário, além de os criminosos utilizarem-nas em clonagem e até como moeda de troca no Paraguai”, comenta Corrêa.

Equipamentos roubados financiam crimes transnacionais

O presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteira (Idesf), Luciano Stremel Barros, aponta que o movimento de quadrilhas que transportam até o Paraguai maquinário agrícola furtado e roubado no Brasil não é recente. Ele observa, porém, que a relevância aumenta à medida que o dólar se valoriza e esses equipamentos se tornam ativos ainda mais atrativos.

Barros destaca que a extensa fronteira seca com o Paraguai, principalmente no Mato Grosso do Sul, facilita a entrada desses equipamentos. “Temos quase mil quilômetros de fronteira com pouca ou nenhuma vigilância, o que permite que grupos criminosos transportem maquinários sem passar por aduanas formais”, comenta.

Segundo Barros, esses maquinários têm alta aderência no Paraguai — não são utilizados apenas para compra direta, mas também como moeda de troca para produtos ilícitos. “Facções criminosas utilizam esses equipamentos agrícolas roubados ou furtados no Brasil para financiar suas atividades criminosas”, aponta ele.

O instituto acompanha de perto os movimentos ao longo das fronteiras brasileiras. “Estudamos mercados ilegais, contrabando, tráfico e outros crimes, e o maquinário agrícola tem sido uma preocupação crescente, principalmente devido à expansão agrícola paraguaia”, diz.

Temos quase mil quilômetros de fronteira com pouca ou nenhuma vigilância,

o que permite que grupos criminosos transportem maquinários sem passar por aduanas formais.

Presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteira (Idesf), Luciano Stremel Barros

O presidente do Idesf evidencia que não se trata apenas de perda econômica para os agricultores brasileiros. “É um elo em uma cadeia de criminalidade transnacional que utiliza o maquinário agrícola como moeda de troca no Paraguai”.

Criminosos usam informação local para executar roubos de máquinas agrícolas

Sérgio Leonardo Gomes, policial rodoviário federal aposentado, que trabalhou no setor de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na fronteira, detalha que o crime organizado no Paraguai se abastece de contrabando, descaminho e tráfico de drogas e armas. Segundo ele, esses grupos recebem veículos roubados e furtados no Brasil, em especial na região de Salto del Guairá, cidade paraguaia.

Ele explica que os criminosos do Brasil levam os veículos para o Paraguai e, ao mesmo tempo, repassam informações sobre possíveis alvos na área rural. “Com esses dados, grupos locais que conhecem a região se unem às quadrilhas de fora para executar o roubo”.

Gomes considera um contraponto para o aumento de crimes gerais apontado pelo Grupo Tracker: cidades próximas à região de fronteira via Paraná ainda registram incidentes, porém casos de furto e roubo de maquinário agrícola diminuíram por lá. Para ele, a mudança se deve à presença concentrada de diferentes forças de segurança.

O presidente interino do Sistema Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Ágide Eduardo Meneguette, corrobora. “Os dados mostram queda de 30,9% nos crimes envolvendo animais de criação, 23% nos furtos de insumos agrícolas e 34% nos registros de veículos, incluindo maquinário agrícola”, diz ele, referindo-se à comparação de 2025 com 2024.

O resultado, na avaliação de Meneguette, está ligado ao trabalho da Patrulha Rural Comunitária, desenvolvida pela Polícia Militar em parceria com Faep e sindicatos. Mais de 28 mil propriedades estão cadastradas e cerca de 180 grupos de comunicação permitem resposta imediata às ocorrências. “É um prejuízo enorme para quem depende desses equipamentos. Por isso, o trabalho integrado tem sido essencial e se torna um exemplo para outros estados”, afirma.

Coordenador da Patrulha Rural Comunitária 4.0, da Polícia Militar do Paraná, o major Íncare Corrêa de Jesus afirma que “essas redes permitem que alguém comunique uma ocorrência em tempo real, com georreferenciamento, e que as equipes se desloquem rapidamente até a propriedade”. O major diz que a tecnologia se tornou aliada, com rastreamento em tempo real e drones termais para ampliar o alcance das buscas em áreas rurais.

Integração combate furtos de maquinário agrícolas no MS

O Mato Grosso do Sul concentra a maior faixa de fronteira seca com o Paraguai, condição que favorece o ingresso clandestino de produtos oriundos do crime no Brasil — a fronteira entre os dois países tem 1.365,4 km de extensão.

Titular da Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Fronteira (Defron), o delegado Guilherme Scucuglia Cezar observa que furto e roubo de máquinas agrícolas são preocupação constante na região. “Esse tipo de delito apresenta características próprias, que exigem preparo das quadrilhas envolvidas”, detalha ele.

[Patrulha Rural Comunitária 4.0 atua contra furto e roubo de máquinas agrícolas no Paraná.] Patrulha Rural Comunitária 4.0 atua contra furto e roubo de máquinas agrícolas no Paraná. (Foto: Divulgação/Polícia Militar do Paraná)

Cezar acrescenta que são crimes que demandam conhecimento técnico, tanto no manejo e transporte das máquinas quanto na desativação de sistemas de rastreamento. “Muitas vezes, há divisão de tarefas e uma estrutura organizada; contudo, não é comum a participação direta das facções criminosas nacionais, o que indica que o controle local é mais autônomo”, afirma.

A atuação da Defron ocorre de forma integrada com o Departamento de Operações de Fronteira (DOF) e com autoridades paraguaias. Um exemplo recente foi a recuperação de uma pá carregadeira furtada em Caarapó e localizada em Coronel Sapucaia, ambas cidades do Mato Grosso do Sul, na faixa de fronteira.

O delegado reforça que a proximidade com o Paraguai facilita a movimentação desses produtos e impõe desafios às investigações. “A repressão é diária e estratégica. Cruzamos informações de inteligência, direcionamos investigações e buscamos recuperar os bens, reduzindo os prejuízos dos produtores rurais e enfraquecendo a atuação das quadrilhas”.

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