Nelson Niero: Tarifaço agrava crise de confiança da indústria

Quando os representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) reuniram-se com o vice-secretário de Estado dos Estados Unidos, Christopher Landau, no começo de setembro, ficou claro para o grupo liderado por Ricardo Alban, presidente da entidade, que qualquer saída para o tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump ao Brasil teria que passar pela política.

Ainda assim, num vídeo publicado no site da CNI depois do encontro, Alban reforçou a ideia de que os “argumentos técnicos, comerciais e econômicos possam ter a sua importância” e que a visita foi bem-sucedida ao “garantir uma porta de diálogo” capaz de criar alternativas “para enfrentar possíveis equívocos que vêm da ordem política ou geopolítica”.

Essa aposta numa solução negocial pareceu ainda mais distante quando Landau, alguns dias depois do encontro, publicou a seguinte mensagem no X: “Como advogado, diplomata e amigo do Brasil, me dói ver o ministro [Alexandre de] Moraes desmantelar o Estado de Direito no país e arrastar as relações entre nossas grandes nações para o ponto mais sombrio em dois séculos. Enquanto o Brasil deixar o destino dessa relação nas mãos do ministro Moraes, não vejo saída para esta crise”.

Nesse clima pesado, o aceno de Donald Trump a Luiz Inácio Lula da Silva nos bastidores da Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU) na semana passada foi considerado “extremamente positivo” por Frederico Lamego, superintendente de relações internacionais da CNI, que esteve na reunião com Landau. O “grande anseio”, disse em entrevista ao Valor, era que houvesse esse primeiro contato.

Com base na “diplomacia empresarial”, Lamego disse que a estratégia continua sendo a mesa de negociação. “Estamos ansiosos para que essa reunião ocorra para diminuir a tensão e para que os dois países possam retomar a sua relação histórica.” Até ontem, o encontro ainda não havia sido confirmado oficialmente.

A tentativa da missão empresarial que foi a Washington – com cerca de 130 empresários e representantes setoriais – de abrir um diálogo em meio à disputa entre os dois países vem num momento especialmente complicado para a indústria brasileira, que antecede ao anúncio das tarifas. Há muito tempo não se via uma crise de confiança tão duradoura entre os empresários, grandes, médios e pequenos.

O Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei), elaborado pela CNI desde 1999, está há nove meses consecutivos abaixo dos 50 pontos, de janeiro a setembro, o que configura um ambiente de falta de confiança. Na coleta de setembro, foram ouvidas 1.150 empresas – 460 pequenas, 418 médias e 272 grandes – e o indicador ficou em 46,2, comparado a 53,3 em setembro de 2024.

“O que mais preocupa não é o indicador em si, mas a duração [da falta de confiança]”, diz Marcelo Azevedo, gerente de análise econômica da CNI.

O objetivo do índice é tentar antecipar os movimentos do empresário: quando ele está confiante, ele tende a aumentar a produção e investir mais, ao contrário do que acontecendo agora. Os efeitos desse período prolongado de pessimismo já começaram a ser sentidos. “Já notamos uma menor ritmo de contratação, de produção e investimentos.”

Essa onda de pessimismo iniciada em janeiro seguiu-se a um período de otimismo de 19 meses desde meados de 2023, que terminou quando o mercado perdeu as esperanças de ajuste fiscal do governo federal, no fim do ano, que fez o dólar e os juros disparem. Apesar de o câmbio ter se acomodado desde então – a cotação do dólar caiu perto de 14% no ano -, a confiança não voltou. Na verdade, a desconfiança aumentou.

Na história do índice, houve uma euforia recente de 29 meses no pós-pandemia – que, não por acaso, resultou na última onda de aberturas de capital na bolsa, em 2021. Antes, foram 28 meses de depressão entre 2014 e 2016, época de recessão e descoberta dos escândalos de corrupção na Operação Lava-Jato. O pico de otimismo coincidiu com o “boom das commodities”, um período de crescimento acelerado da economia mundial puxado pela China.

O Icei é composto, grosso modo, por dois subíndices que medem separadamente as condições atuais e as expectativas para os próximos seis meses da economia e da empresa. Historicamente, os empresários tendem a ser mais otimistas com as condições e as expectativas da sua empresa e mais pessimistas com a economia. Desde dezembro de 2022, depois da eleição presidencial, a percepção das condições da economia está abaixo de 50.

Um outro levantamento da CNI, a Sondagem Industrial, feito a cada três meses, tende a dar mais cor às variações do humor do empresário industrial. Em janeiro, a taxa de câmbio apareceu como preocupação principal, acompanhada dos juros, diz Azevedo. Na sondagem de julho, sai o câmbio e entram a carga tributária, juros e preocupações com demanda interna, o que pode estar relacionado com o tarifaço. Sem fatos novos, juros que devem continuar em patamares altos e desequilíbrio fiscal, uma mudança de humor nos próximos meses é improvável, diz Azevedo. Além disso, os anos eleitorais costumam aumentar a tensão e coibir decisões de investimento.

O resultado dessa última sondagem foi outro recorde negativo: agosto registrou o pior desempenho para o mês desde 2015. Os empresários relataram queda na produção, redução de empregados e recuo na utilização da capacidade instalada, em contraste com a tendência histórica de expansão em agosto.

*Nelson Niero é editor de S.A. do Valor Econômico

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