A mudança nas regras do crédito imobiliário anunciada pelo governo federal promete aumentar o acesso à moradia para a classe média e estimular novos lançamentos no setor da construção civil, segundo avaliação de Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). Em entrevista ao O Globo, o dirigente afirmou que a medida pode injetar cerca de R$ 37 bilhões na economia já em 2025, ampliando o volume de financiamentos e movimentando a cadeia produtiva do setor.
O novo modelo, apresentado na sexta-feira (10), altera o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e aumenta o limite máximo de financiamento de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhões, valor que não era atualizado desde 2018. O objetivo é ampliar o crédito para famílias com renda de até R$ 12 mil mensais, segmento considerado o principal motor da classe média brasileira.
“Se calcularmos os 5% que deixam de entrar no depósito compulsório no Banco Central, são cerca de R$ 37 bilhões que já serão jogados no mercado. A vantagem é a disponibilidade desse financiamento, e cada banco vai definir como usar”, afirmou Correia.
Além da ampliação do limite, o programa define que os juros máximos dos empréstimos não poderão ultrapassar 12% ao ano, patamar inferior à média atual do mercado, próxima de 14%. Para a Cbic, a redução do custo do crédito pode aumentar a demanda por imóveis e impulsionar lançamentosprincipalmente em grandes centros urbanos, onde o preço dos imóveis ultrapassa o teto anterior do SFH.
Classe média como foco da política habitacional
A reformulação busca preencher a lacuna entre os beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida e os compradores de alta renda, que dispõem de maior capacidade de financiamento.
Segundo Correia, as famílias com rendimentos entre R$ 8 mil e R$ 15 mil mensais estavam sendo excluídas do mercado imobiliário por falta de produtos compatíveis com sua renda e acesso restrito ao crédito.
“Quem ganha até R$ 12 mil está contemplado pelo Minha Casa, Minha Vida, em apartamentos até R$ 500 mil. Mas quem ganha acima disso tem dificuldade de comprar, tanto pela falta de recursos quanto pelo juro cobrado, em média de perto de 14%”, observou o presidente da Cbic.
Para o setor, a nova regra deve ampliar o público elegível ao financiamento e reduzir o estoque de imóveis prontos, criando um ambiente mais favorável para novas construções e geração de empregos.
Desafios para os bancos e risco de concentração
Apesar do otimismo do setor da construção, especialistas alertam para obstáculos no sistema financeiro.
A economista Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera que a limitação de juros em 12% ao ano pode restringir a adesão de instituições privadas ao novo modelo.
“A Caixa Econômica Federal, maior financiadora do setor, já anunciou que voltará a financiar 80% dos imóveis residenciais. Agora é ver se, na melhor das hipóteses, os demais bancos vão aderir. Eles não parecem satisfeitos com a limitação dos juros em 12% ao ano, num momento de crédito muito caro”, afirmou Castelo.
A especialista também apontou o risco de concentração dos financiamentos em imóveis de alto valor, o que poderia reduzir o impacto social da medida. Segundo ela, o governo tenta equilibrar a política de crédito, criando estímulos para imóveis abaixo de R$ 1 milhão, de modo a evitar que a classe média alta seja a principal beneficiada.
Impacto esperado na economia
De acordo com estimativas da XP Investimentos, o novo modelo de crédito, somado à ampliação do Minha Casa, Minha Vida, pode aumentar o PIB em 0,1 ponto percentual até 2026, elevando a projeção de crescimento econômico para 1,7% no próximo ano.
A expectativa é que o efeito multiplicador sobre o setor da construção civil — um dos maiores geradores de empregos formais do país — traga reflexos positivos na geração de renda, consumo e arrecadação fiscal.
Além disso, analistas consideram que a redução de juros nos financiamentos imobiliários pode estimular a compra de imóveis novos, impulsionando a indústria de materiais de construção e a demanda por mão de obra especializada.
Mercado imobiliário busca expansão sustentável
A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) também avalia que a mudança é um passo estratégico para ampliar o acesso à moradia e fortalecer o mercado formal de crédito. A entidade ressaltou que o crédito imobiliário no Brasil representa apenas 10% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto em países desenvolvidos esse índice chega a 50%.
“É um passo importante para ampliarmos a relação crédito imobiliário/PIB no Brasil”, afirmou a Abrainc em nota.
Para a associação, a expansão do crédito com base em recursos da poupança permitirá reduzir a dependência de programas subsidiados e aumentar o papel do mercado privado na política habitacional.
Correia, da Cbic, acrescentou que a medida pode redefinir o perfil do comprador de imóveis no país, com maior participação da classe média no mercado formal. Ele destacou que o setor vive um momento de expectativa positiva, impulsionado também por melhoras na confiança do consumidor e no emprego.
Perspectivas e próximos passos
A implementação das novas regras ocorrerá ao longo de 2025, com ajustes operacionais nos bancos e acompanhamento do Conselho Monetário Nacional (CMN). O governo também estuda linhas complementares de crédito verde, voltadas a empreendimentos sustentáveis e de eficiência energética, como forma de atrair investidores institucionais e fundos imobiliários.
Economistas avaliam que, se bem calibrada, a política pode criar um novo ciclo de crescimento do crédito habitacional, equilibrando acesso, risco e sustentabilidade financeira. No entanto, alertam que a estabilidade macroeconômica e a trajetória da taxa Selic serão determinantes para o sucesso do modelo.
“O mercado está em compasso de espera. A direção é positiva, mas o ritmo vai depender da resposta dos bancos e do comportamento da taxa de juros nos próximos meses”, concluiu Castelo, da FGV.
A nova política habitacional se insere em um contexto de reforma mais ampla no mercado de crédito, com o objetivo de estimular o consumo das famílias e fortalecer a classe média — público que o governo considera essencial para sustentar o crescimento econômico nos próximos anos.