É difícil acreditar, mesmo testemunhando tudo de dentro do galpão, que a BYD esteja produzindo veículos em Camaçari, BA. Em 27 anos acompanhando o desenvolvimento da indústria automotiva no País e no mundo foi a primeira vez que vi uma operação industrial acontecer ao mesmo tempo em que as obras civis estão a pleno vapor. A fábrica da BYD na Bahia, em terreno que já foi da Ford, é um imenso canteiro de obras.
Estão sendo erguidos outros dois enormes prédios ao lado do que já está pronto. Em volta a máquinas e materiais de construção, buracos no terreno, escombros, terra removida e muitas vigas de aço, estão algumas centenas de veículos, a maioria Dolphin Mini, alguns King e Song Pro, modelos dotados de alta tecnologia e que supostamente não deveriam conviver ao lado de tamanha movimentação de material de construção. para preservar e garantir a qualidade. Imagino que a higiene levada ao extremo em todas as outras fábricas que conheci é para evitar que um grão de areia possa invadir o propulsor elétrico ou o sistema eletrônico de infoentretenimento, prejudicando o funcionamento.
Os três modelos são montados a partir de kits SKD importados da China no prédio onde foi realizada a inauguração oficial da produção no Brasil.
Também foi a primeira vez que visitei uma inauguração de fábrica e não foi possível conhecer as linhas de montagem. Jornalistas de AutoData já passaram por isto na fábrica da Honda, que inaugurou sua unidade de Itaripina, SP, levando os convidados a uma sala fechada no complexo. Ou ainda a inauguração da unidade da Caoa, em 2007, com a fábrica parcialmente pronta, que teve que ser inaugurada às pressas para não perder os prazos dos incentivos do Regime Automotivo.
Em Camaçari pude observar, a uma distância segura para não identificar os pormenores, algumas carrocerias dos modelos equilibrados nos transportadores aéreos ao longo das linhas. Fotos oficiais mostraram um processo rústico de montagem dos veículos, sem robôs ou sistemas autônomos de transporte de componentes e de carroceria, tão comum em todas as fábricas que conheci.
Foi difícil chegar ao espaço reservado aos convidados e imprensa. Tivemos que caminhar mais de 1 quilômetro, sob o sol do meio-dia da Bahia, porque não havia informação sobre qual a porta que permitia acesso ao evento.
A confusão já começou antes. O ônibus acessou o complexo pela entrada lateral à portaria principal, pois havia um bloqueio feito por manifestantes. Jornalistas da Bahia que passaram por ali disseram que eram trabalhadores que foram impedidos de participar da festa de inauguração. Também havia profissionais de autoescolas entrincheirados, pedindo ao presidente Lula que volte atrás na proposta do governo de retirar a obrigatoriedade de frequentar autoescolas para a obtenção da CNH.
Na saída, após a inauguração oficial, uma comitiva composta por dezenas de caminhões protestava com um buzinaço a decisão da BYD de não renovar o contrato de distribuição dos seus veículos com o sindicato dos cegonheiros de Camaçari.
Esta talvez tenha sido uma manifestação injusta, pois a BYD tem todo o direito de escolher seus fornecedores.
Mesmo assim o presidente Lula, ele mesmo um manifestante voraz nos tempos de dirigente sindical, ressaltou em seu discurso que reconhece e valoriza qualquer manifestação de trabalhadores. Mas Lula não deve ter visto de perto o que aconteceu na portaria principal da fábrica, na avenida que já foi chamada Henry Ford, devidamente renomeada BYD pelo legislativo baiano esta semana, porque ele chegou e saiu de helicóptero.
O ambiente de uma fábrica em construção ao lado de um elefante branco, que são as instalações da Ford definhando com o tempo e por falta de manutenção, deixam muitas dúvidas sobre o futuro da operação da BYD no Brasil.
Espera-se que sejam construídos 26 galpões naquele complexo e uma produção altamente verticalizada, com fabricação de baterias de última geração e 600 mil unidades ao ano, a maior operação da BYD fora da China.
A inauguração da primeira fase desse grandioso investimento de R$ 5,5 bilhões até agora, que começa com a promessa de produção de 150 mil unidades ao ano – sabe-se quando – trouxe à memória o comentário dos jornalistas que não puderam entrar na fábrica da Caoa, em Anápolis, GO. Na ocasião, em 2007, os relatos davam conta de que foi inaugurado um galpão com piso ainda de terra batida.
Os que participaram daquele momento, com a presença do presidente Lula em seu segundo mandato, duvidaram de que seria possível produzir veículos lá. Mas a fábrica de Anápolis é uma das mais modernas do País e segue produzindo veículos até hoje.
Espero que este também seja o futuro da BYD no Brasil. E ainda bem que daquela vez eu não estava presente.