Os Contadores de Histórias: Como a terceirização da Iochpe-Maxion consolidou o polo metalmecânico de Santa Rosa, RS

Quase quatro décadas após a decisão de 1993, o modelo implantado pela então Iochpe-Maxion, hoje AGCO do Brasil, segue como divisor de águas na economia regional. O ex-supervisor e empresário Irálcio Amorim revive os bastidores de uma história que mudou para sempre a face industrial de Santa Rosa, RS.

Em 1993, Santa Rosa assistiu a uma mudança que moldaria o futuro econômico da cidade e da região Noroeste do Rio Grande do Sul. Foi naquele ano que a Iochpe-Maxion, atual AGCO do Brasil, implantou um modelo de terceirização que abriu espaço para o surgimento de dezenas de pequenas e médias empresas locais. O movimento, que começou como uma tentativa de resolver a sazonalidade da produção de colheitadeiras, acabou transformando operários em empreendedores e consolidando Santa Rosa como referência nacional no setor metalmecânico.

O antes da virada: fusões e sazonalidade

Para entender a mudança, é preciso voltar a 1985, quando a Iochpe-Maxion incorporou a Indústria de Máquinas Agrícolas Ideal, fundada em Santa Rosa sob a liderança de Felipe Streich. A estratégia foi concentrar em Canoas a produção de tratores e em Santa Rosa a de colheitadeiras. Essa decisão trouxe um problema crônico: a sazonalidade da safra.

Durante alguns meses do ano, as linhas de montagem funcionavam a pleno vapor; nos demais, vinham a ociosidade, as demissões e a instabilidade social.

No início dos anos 1990, uma negociação bilionária prometia mudar esse cenário: a exportação de 3 mil colheitadeiras Massey Ferguson para o Iraque. No primeiro ano, cerca de 500 máquinas chegaram a ser entregues. Mas o projeto foi interrompido pela Guerra do Golfo, que travou o negócio e deixou a fábrica novamente em busca de alternativas.

O nascimento da terceirização

Foi nesse contexto que surgiu a ideia da terceirização. O conceito já vinha sendo aplicado na indústria automobilística: as montadoras cuidavam da montagem final, enquanto fornecedores especializados produziam peças e componentes. Em Santa Rosa, essa estratégia foi vista como saída para equilibrar a mão de obra e estimular novos negócios.

A partir de 1993, a Iochpe-Maxion iniciou a transferência de processos para empresas locais. Máquinas que haviam sido trazidas de Canoas — tornos, prensas, guilhotinas — foram cedidas em comodato a oficinas e metalúrgicas da cidade. O processo começou com seis fornecedoras já existentes, como a Metalúrgica Fratelli e a Flores. Rapidamente, ex-funcionários e supervisores se voluntariaram para empreender.

De fundo de quintal ao polo industrial

Entre os pioneiros estava Irálcio Amorim, então supervisor de produção da Maxion, que decidiu deixar a fábrica para criar a Metal Master. “Foi uma guinada completa. Uma coisa é comandar uma equipe dentro de uma grande empresa; outra é assumir sozinho a responsabilidade de gerir, produzir e entregar. Mas o desafio nos fez crescer”, relembra.

Outros exemplos se multiplicaram:

– Hidroelétrica Sul (hoje Nelson do Brasil), fundada por Ademir Envall e Casemiro Schinwelski

– Imetal, de Ricardo Mosquer e Armindo Kim

– Metalúrgica Netz, do saudoso Luiz Carlos Netz

– Metalmater, França e Antônio Holz

– Metaldente, André Garcia e Cirilo

– Metalúrgica Precisão

– Metal Master, criada pelo próprio Irálcio Amron

Muitas dessas empresas nasceram literalmente em garagens ou fundos de quintal. A cena descrita por Amorim ilustra bem esse começo: dirigentes da Iochpe visitaram uma dessas oficinas e encontraram a família inteira trabalhando, enquanto na cozinha vizinha a esposa preparava bolinhos fritos. “O superintendente Paulo Saraiva disse: É esse modelo que eu quero. Quero entrar em fábricas e sentir cheiro de bolinho frito. Era a força da empresa familiar”, recorda.

Do improviso à profissionalização

O romantismo da fase inicial, no entanto, logo deu lugar à exigência de qualidade e competitividade. Vieram as certificações ISO, o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP), normas rígidas de segurança e de gestão. Quem não acompanhou o ritmo ficou pelo caminho. Algumas empresas encerraram atividades; outras investiram pesado em tecnologia e cresceram.

A Metalúrgica Fratelli, por exemplo, foi buscar nos Estados Unidos uma puncionadeira de última geração, tornando-se referência em inovação. Esse movimento de modernização puxou toda a cadeia para cima. “A gente olhava o vizinho investindo e sentia a necessidade de acompanhar. Foi um crescimento coletivo, muito rápido”, afirma Amorim.

A expansão: terceirização e quarteirização

Nos anos seguintes, o modelo avançou ainda mais. Além da terceirização, surgiu a quarteirização, em que as próprias fornecedoras passaram a repassar parte da produção para outras oficinas locais. Criou-se uma rede complexa de parcerias que multiplicou empregos, renda e oportunidades.

De acordo com Amorim, hoje existem mais de 20 empresas fornecedoras diretamente ligadas à AGCO em Santa Rosa, além de dezenas de outras que atendem a mercados paralelos. “Na época, a prioridade era fornecer para a montadora. Hoje, todas têm em média 12 ou mais clientes diferentes, o que garante sustentabilidade e independência”, explica.

Um polo de referência

Quase 40 anos depois, o saldo é claro: Santa Rosa se transformou em um polo metalmecânico de padrão nacional, capaz de competir em igualdade tecnológica com outros centros do país. “O que existe no Brasil em termos de modernização e tecnologia, nós temos aqui também. Não devemos nada a ninguém”, afirma Amorim.

Mais do que um modelo econômico, a terceirização de 1993 representou uma transformação social. Operários se tornaram empresários, famílias assumiram riscos e construíram negócios, e a região ganhou um novo perfil industrial. “Foi divisor de águas. Transformou instabilidade em oportunidade e colocou Santa Rosa em um patamar de destaque”, conclui Irálcio Amorim.

Linha do tempo da transformação

1985 – Iochpe-Maxion incorpora a Ideal, em Santa Rosa.

Início dos anos 1990 – Contrato de exportação de 3 mil colheitadeiras para o Iraque; projeto interrompido pela Guerra do Golfo.

1993 – Início da terceirização em Santa Rosa; surgimento das primeiras empresas fornecedoras.

Década de 1990 – Expansão do modelo, fortalecimento de metalúrgicas locais e início da profissionalização.

Anos 2000 – Consolidação do polo, com quarteirização e diversificação de clientes.

2025 – Mais de 20 empresas fornecedoras compõem a cadeia da AGCO, consolidando Santa Rosa como referência no setor.

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