O Paraná é o terceiro estado do Brasil com maior área florestal plantada. Dados da Pesquisa da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS), divulgada em setembro de 2025, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o estado conta com 1,2 milhão de hectares. Essa disponibilidade, aliada com a sustentabilidade e eficiência das indústrias do setor, colocam o estado na vanguarda da descarbonização da construção civil, por meio da maior utilização da madeira como matéria-prima.
“Estamos entre os maiores exportadores de produtos de madeira sólida. E um dado extremamente importante, mais ou menos 15% de todos os empregos gerados no Brasil, no setor de base florestal, estão no Paraná. Por que isso ocorre aqui? Porque no Paraná a gente tem uma cadeia diversificada e ela divide a riqueza”, explica Ailson Loper, diretor executivo da Associação Paranaense das Empresas da Base Florestal (APRE Florestas).
O chefe do Departamento de Florestas Plantadas e Sustentabilidade da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab-PR), Breno Campos, pontua que o Paraná pode agregar maior valor à produção florestal com a madeira mais inserida na construção civil. “É o símbolo do encontro entre sustentabilidade, tecnologia e desenvolvimento econômico”, completa.
Países como o Canadá, a Dinamarca, os Estados Unidos, a Finlândia, o Japão e a Suécia adotam a madeira como matéria-prima na construção civil desde o século XX. A maior capacidade de absorção e isolamento térmico e acústico desse material foram características que levaram essas nações a ampliarem essas construções.
“Por que na Finlândia, na Suécia, nos Estados Unidos e no Canadá mais da metade das edificações são em madeira? Porque começou não por sustentabilidade, mas por eficiência acústica e térmica”, prossegue Loper.
No Brasil, historicamente a madeira não teve o mesmo espaço na construção civil que o concreto e o aço. Popularmente essa matéria-prima chegou a ser colocada como um material de segunda linha, atrelada apenas a edificações simples.
Mas essa barreira tem sido vencida dentro do país. Dados apresentados em Curitiba, durante o XVIII Encontro Brasileiro em Madeiras e em Estruturas de Madeira (Ebramem), realizado em maio de 2025, apontam um crescimento na produção da madeira engenheirada.
“Por muito tempo foram utilizadas normas europeias e americanas para o uso da madeira no Brasil, mas há cinco anos o Brasil publicou as primeiras normas nacionais, elaboradas por profissionais da área, instituições e academias. Por isso, hoje é possível construir com tranquilidade, usando esse sistema construtivo”, pontua Patrick Reydams, engenheiro florestal e pesquisador do Tecpar Certificação.
Produtos de madeira engenheirada como o CLT (Cross Laminated Timber) e o MLC (Madeira Laminada Colada) apresentam alta resistência mecânica, estabilidade dimensional e excelente desempenho térmico e acústico, competindo em igualdade com materiais tradicionais como o aço e o concreto.
Somente em 2024, o Brasil produziu 10 mil m³ de madeira engenheirada. Como comparação, em 2019, esse número não passou dos 4 mil m³. Há expectativa ainda que a produção global desse composta cresça 115% nos próximos dez anos.
“O uso ampliado da madeira engenheirada gera demanda por florestas plantadas manejadas de forma sustentável, fortalece a indústria nacional e estimula a inovação tecnológica no setor da construção”, analisa Campos.
Para Nilson Sarti, vice-presidente de Sustentabilidade da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a adoção da madeira na construção civil deve seguir o exemplo de outras matérias-primas que já enfrentaram rejeição no mercado, como por o exemplo o drywall.
“O drywall demorou um pouco de entrar no Brasil, o pessoal achava que batia, era oco, não era seguro, quando isso se usa há muitos e muitos anos nos Estados Unidos e na Europa, e que agora nós estamos utilizando agora também bastante”, avaliou.
Sarti ainda reforça que alguns passos precisam ser seguidos para que a construção em madeira siga em crescimento no país. “Agora precisamos formar mais arquitetos voltados para a madeira. A indústria precisa aumentar mais a produção na área, você tem que ter uma base florestal voltada para a construção com madeira. Mas eu acho que nós estamos no caminho”.
Veja os principais benefícios da utilização da madeira engenheirada na construção civil
Guilherme Correa Stamato é um dos principais especialistas sobre a utilização da madeira como matéria-prima na construção civil no Brasil. O engenheiro civil e sócio-diretor da STAMADE – Projeto e Consultoria em Madeira elenca as principais vantagens dessa adoção:
Sustentabilidade: Ao se plantar uma árvore, após algum tempo se colhe e tem essa matéria-prima pronta, seja como madeira roliça ou beneficiando ela. Esse é o único material estrutural renovável, além de ter o carbono fixado nele enquanto for utilizado;
Industrialização: A madeira engenheirada tem a capacidade de ser processada com altíssima precisão, permitindo trabalhar com montagens rápidas de estruturas e com maior precisão do que o concreto pré-moldado. Assim é possível ampliar a industrialização da construção e reduzir a mão de obra.
Biofilia: Ter a madeira aparente ao final da construção traz um aspecto agradável que proporciona um bem-estar às pessoas que vivem nesse ambiente.
“O brasileiro ainda não está muito familiarizado com esse conceito e precisa entender como é benéfico para o morador, inclusive na questão de energia, para que as casas tenham uma boa eficiência e desempenho térmico”, complementa Stamato.
Madeira desponta como aliada da descarbonização e do combate ao déficit habitacional
Nesse cenário, o crescimento da inserção da madeira como matéria-prima na construção civil consegue auxiliar na resolução de dois problemas do Poder Público: a descarbonização e o déficit habitacional.
A utilização da madeira na construção civil beneficia a descarbonização da construção civil, devido a pegada de carbono das florestas plantadas. Assim, essas empresas podem zerar ou negativar as emissões, bem como as diversas esferas do governo cumprirem as respectivas metas de carbono zero.
“Ele está diretamente alinhado ao plano de descarbonização do estado do Paraná. Mudar a matriz construtiva para a madeira engenheirada aumenta a absorção de carbono das florestas e melhora o estoque de carbono na construção civil”, aponta Reydams.
Já o déficit habitacional no Brasil está em 5,97 milhões, segundo dados da Fundação João Pinheiro. A construção com madeira permite edificações 40% mais ágeis e com menos utilização de matéria-prima, podendo ser utilizada em larga escala por programas de habitação social como o Minhas Casa, Minha Vida.
“Aqui no Brasil evoluiu muito essa questão da madeira engenheirada. Você tem também a madeira com um wood frame, que inclusive já está sendo usada no programa Minha Casa Minha Vida, que é mais de média e de baixa renda. Então, acredito que a evolução da madeira é inexorável”, complementa Sarti.
Instituto do Paraná aposta em certificação da madeira para fomentar segurança e inovação no setor
Com esse crescimento da utilização da madeira como matéria-prima, é importante que as construtoras e a sociedade possam ter maior segurança nos materiais e processos utilizados nessas edificações. Por isso, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) pretende lançar a primeira certificadora de madeira engenheirada do Brasil.
“Para que o Brasil cresça no setor e o mercado fique mais confortável em realizar obras de maior porte é muito importante ter uma instituição certificadora para garantir a aplicabilidade das normas, o processo produtivo e o treinamento correto para essas montagens”, contextualiza Reydams.
O projeto será desenvolvido pelo Tecpar Certificação a partir de iniciativas de outros países referência no setor, sem deixar de adaptar os regramentos às necessidades da construção civil e do segmento florestal no Brasil.
Toda a metodologia conta com referências de alinhamento nacional e internacional, o que garante confiabilidade estrutural e ambiental à madeira engenheirada paranaense e brasileira.
“A ampliação do uso da madeira engenheirada na construção civil vai trazer um benefício enorme ao estado. Porque a madeira estrutural ela é o topo da agregação ao valor da madeira de reflorestamento. É o produto que utiliza da melhor forma possível a característica estrutural da madeira, que mais traz industrialização, que entrega um produto final pronto e que tem os melhores preços de revenda”, finaliza Reydams.
A expectativa é que essa certificação possa fomentar a competitividade do setor florestal e da construção civil no Brasil, em especial na indústria paranaense. Isso impacta em maior capacidade de exportação, geração de emprego e desenvolvimento de cadeias produtivas dentro do estado.