Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli: Política industrial reacionária e concentradora

Poucas bandeiras econômicas despertam tanto entusiasmo na esquerda brasileira quanto a ideia de uma nova política industrial (PI). O governo Lula 3, assim como o de Dilma Rousseff antes dele, voltou a apostar no receituário: crédito direcionado, proteção tarifária, subsídios e campeões nacionais. Mas vale a pena perguntar: a política industrial, tal como concebida por aqui, é realmente progressista — ou, ao contrário, um projeto reacionário, que mira o passado e não o futuro?

Embora haja grande controvérsia sobre o peso real da PI no crescimento — em comparação a fatores como educação, abertura comercial, infraestrutura e estabilidade fiscal —, supostos casos de sucesso, como Coreia do Sul, Taiwan e China, revelam um padrão incômodo. Todos conduziram sua transformação industrial sob regimes autoritários, de partido único ou ditaduras militares. Esses governos concentraram poder, impuseram disciplina ao setor privado e direcionaram recursos a setores escolhidos, sem enfrentar a resistência de grupos de interesse ou de eleitorados descontentes. A PI pode ter produzido resultados, mas a democracia esteve ausente desse processo.

Na Coreia do Sul, durante os anos 1960 e 1970, o regime militar controlava crédito, tarifas e câmbio, e só concedia apoio aos conglomerados que cumprissem metas de exportação. Empresas que falhavam perdiam privilégios rapidamente. Isso tem um lado bom, a disciplina das metas, mas não deixa de ser o caso do Estado usando a mão pesada para forçar a competitividade internacional. Num regime democrático o comportamento seria outro, e as punições provavelmente seriam flexibilizadas.

Em Taiwan, sob a lei marcial, o governo nacionalista direcionou recursos e tecnologia para setores escolhidos, criou zonas de exportação e construiu instituições de pesquisa que seriam a base do atual sucesso em semicondutores. Não perguntou à população se era isso que ela queria ou se preferia utilizar os recursos na área social. Na China, o Partido Comunista abriu a economia de forma gradual e seletiva a partir de 1978, sempre subordinando empresas e multinacionais a um projeto estatal de desenvolvimento, com transferência obrigatória de tecnologia e pesados subsídios. O que o partido decide é lei e há inúmeros aspectos condenáveis — baixo gasto social, controle de mídias e de redes sociais, excesso de investimento — que dificilmente se sustentariam em uma democracia. Não há, portanto, como separar a implementação das PIs da falta de liberdade nesses países.

Por outro lado, muitas ditaduras fracassaram em suas PIs. A Argentina peronista terminou em estagnação e inflação. A Venezuela desperdiçou a renda do petróleo em projetos inviáveis. O Brasil do regime militar também ensaiou a fórmula, com substituição de importações e crescimento acelerado, mas terminou atolado em dívida externa, inflação reprimida e indústria pouco competitiva. Ou seja, o regime fechado pode ser condição necessária, mas não suficiente. A chave foi a combinação de autoritarismo político com disciplina econômica e orientação exportadora.

No Brasil democrático, a experiência tem sido frustrante. Nos anos Dilma, a chamada “Nova Matriz Econômica” reproduziu velhas práticas: tarifas elevadas, crédito subsidiado via BNDES, desonerações seletivas e proteção a setores escolhidos. A retórica era de inovação, mas o resultado foi perda de competitividade, baixo investimento e aumento do déficit público. O país tentou “coreanizar-se” sem disciplina fiscal, sem metas exportadoras e com políticas capturadas por grupos de interesse.

O problema não é apenas de desenho, mas de governança. Ao contrário da Coreia, Taiwan e China, onde o Estado autoritário impunha disciplina e punia ineficiências, no Brasil democrático a PI é capturada por setores organizados com forte lobby. Montadoras, eletroeletrônicos e químicos conseguem proteção e subsídios sob o argumento da geração de empregos. Na prática, transformam-se em grupos de interesse que perpetuam privilégios, bloqueiam reformas e resistem a uma abertura comercial realmente significativa. A política vira moeda de troca entre governo e empresas, sem contrapartida clara em produtividade.

A má governança se expressa ainda na proliferação de regimes especiais, exceções tarifárias e benefícios tributários que fragmentam o sistema e reduzem transparência. Cada setor luta por seu pedaço de proteção, e o Estado cede em nome de alianças políticas de curto prazo. O resultado é uma estrutura caótica, em que a política industrial não dá previsibilidade nem incentivos de longo prazo. Em vez de modernizar, reforça o atraso e a dependência de favores estatais.

O governo atual repete o roteiro. Sob o discurso da transição verde e da inovação, multiplica medidas protecionistas para setores sem base produtiva sólida. Exemplo: a elevação de tarifas para veículos elétricos, em nome de uma indústria nacional incipiente. Em vez de abrir o mercado, atrair mais investimento estrangeiro e inserir o Brasil em cadeias globais de valor, prefere proteger um parque industrial defasado e voltado ao mercado interno.

Essa é a ironia: os grandes casos de política industrial bem-sucedida floresceram sob ditaduras. O Brasil, ao tentar imitá-los em democracia, produziu desperdício, retrocesso e uma indústria atrasada. Além de concentração de renda: todos pagamos impostos para transferir recursos a poucos privilegiados. A verdadeira agenda progressista está em abrir a economia, fortalecer a concorrência, investir em educação e ciência, e criar condições para que empresas inovem por mérito, não por favores estatais. Insistir no modelo atual é uma tentativa nostálgica e reacionária de reviver um passado que nunca deu certo no Brasil.

*Autores:

Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento.

Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).

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