Nos últimos anos, Fortaleza tem visto a construção de edifícios de 100, 130 e até 160 metros de altura, ampliando a presença dos chamados superprédios, empreendimentos que ultrapassam, de forma legal, o limite máximo de altura previsto no Plano Diretor. Atualmente, a maior altura permitida é de 95 metros(cerca de 32 andares) em três bairros: Aldeota, Centro e Varjota. Esse cenário, no entanto, pode mudar. Isso porque o Plano Diretor (lei municipal que orienta o planejamento urbano) está em revisão e, na discussão junto à sociedade, a Prefeitura propôs padronizar o limite de altura dos prédios em 72 metros, o que, na prática, reduziria a elevação permitida nessas áreas.
O Diário do Nordeste apurou a proposta de mudança em documentos já publicados pela Prefeitura de Fortaleza sobre o novo plano e, em seguida, confirmou a proposição com fontes do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), órgão da gestão pública municipal que, no processo de revisão da norma, tem participado diretamente da formulação do documento.
No Plano Diretor de Fortaleza em vigor – que está atrasado e deve ter sua nova versão votada na Câmara Municipal até o fim deste ano -, trechos do Centro, da Aldeota e da Varjota têm o maior teto, mas esse parâmetro é uma espécie de “exceção” e existe desde 2017, quando entrou em vigor a nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Luos). Nas demais zonas da cidade há outros limites de altura a depender do zoneamento que são 72, 48, 36, 24 e 15 metros.
A proposição da Prefeitura é baseada na nova ideia de zoneamento da cidade, logo, o que é estabelecido como limite máximo de altura de prédios em cada um dos 121 bairros tem relação direta com as novas zonas nas quais aquela região será enquadrada, e isso depende das características específicas do território.
Atributos como se o imóvel tem características mais residencial, mais comercial ou industrial, se possui infraestrutura, se está próximo a grandes corredores de circulação de transporte público, dentre outros, são levados em consideração para definir o zoneamento. Inclusive, dentro de um mesmo bairro pode haver limites diferentes para a altura dos prédios.
A proposta do novo Plano Diretor está em discussão e deve ser enviada à Câmara Municipal em novembro para ser transformada em lei. Até lá, o novo texto segue em debate em audiências públicas. A proposição de padronização da altura máxima em 72 metros já foi publicizada pela Prefeitura e deve ser discutida com a população nos dois próximos sábados, dias 20 e 27.
ISSO AFETARÁ OS SUPERPÉDIOS?
Nessa discussão, em que a Prefeitura propõe um novo limite de 72 metros para a cidade, a construção de superprédios seria diretamente impactada pela redução. Isso porque, em áreas que hoje permitem até 95 metros, seria necessário pagar mais para erguer edifícios mais altos. Além disso, o cenário pode ser ainda mais restritivo em função de outros dois fatores que estão em debate:
Se a aplicação da Outorga Onerosa para a construção de “superprédios”, por exemplo, será restrita a alguns bairros de Fortaleza;
Se a gestão pública estabelecerá um limite de altura mesmo com a utilização da Outorga.
A Outorga Onerosa é uma permissão legal que autoriza construtores a ultrapassarem a altura máxima das edificações mediante pagamento à Prefeitura. Em Fortaleza, esse mecanismo é utilizado desde 2016, quando uma lei passou a permiti-lo.
Uma das discussões em pauta é se a Outorga ficará restrita a determinados bairros, onde há maior estímulo à verticalização e o limite máximo será de 72 metros, ou se continuará valendo em grande parte da cidade, sem maiores restrições.
Outro ponto a ser definido é se haverá um limite de altura mesmo com o uso da Outorga. Atualmente, por exemplo, embora o teto na Aldeota seja de 95 metros, prédios podem alcançar quase o dobro dessa altura, graças à permissão concedida mediante pagamento.
A questão é se esse instrumento passará a ter um limite fixo, como 100 metros por exemplo, ou se seguirá funcionando como hoje, atrelado, na prática, apenas ao cone aéreo de aproximação das aeronaves.
O arquiteto e urbanista e analista de planejamento e gestão no Ipplan, Rodolfo Sanford, destaca que “hoje em dia o limite é 95, só que a Outorga Onerosa pode ultrapassar, e o teto é o cone aéreo, que é a questão do controle aéreo, que é diferente em vários locais da cidade. Mas é valor bem alto, por isso a gente vê essas supertorres”.
Ele reforça que a proposta é de mudança da altura máxima de 95 para 72 metros, mas a Outorga Onerosa ainda vai poder ser utilizada. O que está em discussão, reitera, “é onde vai poder ser utilizada esse instrumento de flexibilização”.
Na equipe que coordena as discussões do Plano, explica ele, há um certo consenso de que é preciso restringir o uso da Outorga Onerosa para algumas áreas da cidade, mas ainda não “há uma posição final”.
Partes de bairros como Aldeota, Meireles, José Bonifácio, Papicu, Varjota, Dionísio Torres, Guararapes, Bairro de Fátima, Farias Brito, São Gerardo, Vila União, Damas e Parquelândia, por estarem enquadradas em zoneamentos chamados de centralidades polo ou centralidades eixo, poderiam ser mais permissivos com a flexibilização da altura máxima.
“Centralidades eixo e polo são regiões onde tem mais infraestrutura de transporte, emprego, por isso, podemos permitir mais (construções altas) nessas áreas porque têm mais infraestrutura”, completa Rodolfo.
De acordo com ele, a minuta final do Plano – documento que será enviado à Câmara para virar lei – já deve ter o indicativo de como e onde essa flexibilização continuará ocorrendo.
MERCADO IMOBILIÁRIO ACOMPANHA DISCUSSÃO
Ao Diário do Nordeste, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon Ceará), Patriolino Dias, disse que o Sinduscon “vem acompanhando com bastante atenção a revisão do Plano Diretor de Fortaleza, que vem sendo conduzido pela Prefeitura desde o ano de 2019, ou seja, atravessa agora sua terceira gestão”.
Ele classifica o processo como “um momento histórico no qual é possível ouvir atentamente os mais diversos setores da sociedade para, em conjunto, desenhar um futuro promissor para a cidade”.
Nesse desenho, pondera, “muitos elementos são contemplados, tais como: zoneamento, parâmetros e instrumentos urbanísticos, áreas de interesse ambiental, cultural e muitos outros elementos. Dessa forma, o gabarito de uma região específica ou a aplicação de outorga são componentes de uma engrenagem muito maior e não podem ser analisados em separado, especialmente antes da apresentação da proposta final por parte da Prefeitura”.
Patriolino também destaca que altura dos prédios “não pode ser tema central de discussão tão ampla” e acrescenta que o aumento do gabarito em área com infraestrutura disponível, ressalta, “permite otimizar redes de água, esgoto, energia e transporte público, em vez de dispersá-las em áreas extensas”.
Ele defende que “prédios mais altos não são problema, o problema é deixar de fazer um planejamento correto. Fortaleza precisa de regras claras para se desenvolver de forma sustentável, coibindo uma expansão desordenada que destrói nosso território e qualidade de vida”.
Outra ponderação do empresário é a contribuição das contrapartidas financeiras de Outorga Onerosa que, segundo ele, “possibilitaram, ao longo dos anos, a implantação de importantes equipamentos em áreas periféricas da cidade como praças, parques e areninhas, além de habitação de interesse social”.
POR QUE REVER O LIMITE DE ALTURA?
Rodolfo explica que no caso de “rebaixamento” de altura máxima na Aldeota e na Varjota a mudança ficaria “diluída” em certo grau, pois o zoneamento dessas bairros proposto agora é semelhante ao que foi aplicado em 2009, logo, o incentivo às construções seguem de forma intensa nesses bairros e eles provavelmente serão passíveis de continuar com a Outorga.
Já no Centro, avalia ele, embora fosse uma região com parâmetros mais permissivos, ele “não aconteceu tanto, com tantas construções assim”, desse modo, completa “não é só o incentivo construtivo que vai fazer a cidade seguir o direcionamento”.
No Centro, haverá ainda uma novidade que é o estabelecimento de uma Zona de Preservação do Patrimônio Cultural. O bairro, junto a outros, passará a contar com esse zoneamento e terá áreas mais restritivas à construções elevadas.
O arquiteto também esclarece que nessa altura do processo de discussão do Plano, a Prefeitura optou por fazer uma proposta única e nova e que já esteja mais consolidada. Na proposição do “rebaixamento” da altura máxima de 95 para 72 metros, indica, “foi considerado que hoje são pequenas partes da cidade que permitem os 95 metros e que os 72 metros comportam a densidade e os incentivos que se quer. Optou-se por manter os 72 metros e fazer discussão de como e onde essa flexibilização pode ocorrer”.
COMO É DEFINIDO O LIMITE DE ALTURA?
Quando há revisão do Plano Diretor (norma que deve ser atualizada a cada década), uma das principais discussões é sobre a elevação dos imóveis. Mas, a demarcação do limite da estatura de um prédio não é uma equação tão simples. O primeiro ponto é que a altura (ou gabarito) máxima das edificações em Fortaleza varia conforme a zona de ocupação na qual o prédio está inserido, logo, o limite não é o mesmo para a cidade inteira.
Na atual configuração, depois do Centro, da Varjota e da Aldeota, que têm partes classificadas como Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (Zedus), e por isso chegam a 95 metros de altura, vêm as áreas de bairros como Meireles, Dionísio Torres, Jacarecanga, Carlito Pamplona, Álvaro Weyne, Bairro Ellery, Presidente Kennedy, São Gerardo, Parquelândia, Parque Araxá, Amadeu Furtado, Rodolfo Teófilo, Bela Vista, Damas, Jardim América, Bom Futuro, Benfica, Fátima, Parreão, Guararapes, Jardim das Oliveiras, Luciano Cavalcante, Cidade dos Funcionários e Edson Queiroz onde as construções podem chegar a 72 metros.
Na nova proposição, o limite de 72 metros valerá em parte dos bairros: Aldeota, Amadeu Furtado, Álvaro Weyne, Bairro Ellery, Bela Vista, Carlito Pamplona, Cidade 2000, Cocó, Cristo Redentor, Damas, Dionísio Torres, Edson Queiroz, Farias Brito, Fátima, Guararapes, Jardim América, Joaquim Távora, José Bonifácio, Meireles, Monte Castelo, Montese, Papicu, Parquelândia, Parreão, Praia de Iracema, Presidente Kennedy, Rodolfo Teófilo, São Gerardo, Tauape, Varjota, Vila União e Alto da Balança.
Para definir os parâmetros de verticalização, o poder público considera uma série de elementos técnicos, como:
O cálculo da altura em si;
O índice de aproveitamento do terreno (quantas vezes é possível construir – em m² – acima de um terreno);
A zona de localização do prédio (que é distinta da divisão dos bairros);
Os recuos na área e;
A permeabilidade do solo.
Outros aspectos limitadores de altura também precisam ser observados, são eles:
O cone de aproximação das aeronaves – há normas estabelecidas pelo Comando Aéreo Regional (Comar);
As áreas com sítios históricos;
E critérios relacionados à paisagem.
IMPACTOS DA POSSÍVEL MUDANÇA
Uma das questões referentes à verticalização das cidades é que nem sempre as áreas em que o poder público a estimula são as mesmas nas quais o mercado imobiliário deseja construir.
No caso do Centro, por exemplo, embora a possibilidade atual seja de construção de prédios de até 95 metros, a avaliação de especialistas e do poder público é que não houve intensificação de edificações tão altas na região.
Por outro lado, áreas como Aldeota e Varjota têm mais interesse do mercado para a permissão de prédios mais elevados.
A arquiteta e vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) secção Ceará, Regina Costa e Silva, explica que parâmetros como altura e índice de aproveitamento das edificações “estão diretamente ligados a ampliação ou redução da densidade e movimentação das zonas e dessa forma interferem no sistema de circulação, transportes e acessibilidade em locais onde não há boas condições de acessibilidade”.
Quando há estímulo à verticalização, um dos pontos questionáveis, aponta ela, é “se a infraestrutura de saneamento em Fortaleza suporta esse acréscimo de adensamento, pois os investimentos nessas áreas ainda são acanhados”.
Sobre a redução da altura de 95 metros na zona central, ela pondera que “é uma proposta a ser questionada pois essa área é coberta por infraestrutura total de saneamento”. A justificativa da proteção ao ambiente cultural, completa, “deveria ser tratada como casos isolados e por proteção de visadas, nunca generalizando”.
A vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/Ceará), Caroline Benevides, pondera que “aparentemente, a redução da altura pode representar um desestímulo a novos empreendimentos, enquanto o aumento poderia atuar como estímulo.No entanto, avaliar isoladamente o parâmetro da altura máxima não é suficiente para compreender os reais efeitos da proposta”.
No caso do Centro, argumenta, a altura de 95 metros já é permitida há décadas e, “mesmo assim, não foi capaz de atrair empreendimentos em escala significativa. Isso mostra que a definição de altura precisa estar articulada a um conjunto mais amplo de regras e instrumentos de política urbana, considerando de que forma determinadas áreas podem, inclusive, estar bloqueando o desenvolvimento de outras. Só assim é possível garantir equilíbrio no desenvolvimento do território, sobretudo nas áreas mais vulneráveis”.
Outro destaque é que quanto maiores são os parâmetros de altura e índices de aproveitamento permitidos em novas propostas de Planos Diretores, aponta ela, “mais subutilizados tendem a se tornar os empreendimentos já existentes, quando não há uma articulação com outras regras urbanas, e em áreas específicas da cidade”.
A arquiteta ressalta que na prática “o fenômeno de tornar subutilizado o edificado existente pode ser observado em Fortaleza, nos bairros Mucuripe e Meireles, impulsionado pela aplicação da Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo” e acrescenta que o efeito disto tem sido “a demolição sucessiva de edificações consolidadas, incluindo prédios de até 20 pavimentos, que abrigavam usos diversos, como hotéis e comércios, para dar lugar a um único tipo de empreendimento, quase sempre residencial”.
Esse processo, avalia, altera de forma significativa a paisagem urbana e também “sobrecarrega a infraestrutura e reduz a diversidade de funções em determinadas áreas da cidade, comprometendo a vitalidade urbana no longo prazo”.
Ela também destaca que a elevação do índice de aproveitamento e da altura em determinadas áreas da cidade, sem uma articulação com os instrumentos urbanos, “não gera impactos apenas localmente, mas em todo o território urbano, inclusive nas áreas mais vulneráveis e periféricas”. Por isso, completa, “essas mudanças precisam ser avaliadas com olhar multidisciplinar”.