
Dois meses após o início do tarifaço dos Estados Unidos contra produtos brasileiros, os efeitos da sanção ficam ainda mais claros na indústria gaúcha. Além de mostrar recentemente os primeiros sinais de arrefecimento no desempenho do setor, as exportações da indústria de transformação do Rio Grande do Sul para os EUA caíram 51,1% em setembro ante o mesmo mês do ano passado.
Os ramos de tabaco, produtos de metal e madeira estão entre os que mais impactaram nessa retração nas vendas para os americanos, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). Esse recorte leva em conta o quanto cada segmento influenciou o resultado geral.
Os dados aumentam o sinal de alerta para os empresários, que tentam alternativas para amenizar a fatia menor nos embarques para os EUA, segundo especialistas. Reforçam que a solução mais sustentável, passa por um acordo entre os dois países.
As exportações gaúchas para os Estados Unidos totalizaram US$ 83,2 milhões em setembro
A receita é US$ 86,8 milhões menor do que a registrada no mesmo período do ano passado (US$ 170 milhões)
O setor de tabaco, que teve queda de 94,1% nas vendas para os americanos no período, mostra o principal tombo em termos de impacto sobre o total da queda de exportações no RS
A influência foi de 25,4 pontos percentuais, considerando o peso do setor para o resultado geral
Na sequência, aparecem produtos de metal, celulose e papel, alimentos, madeira e borracha e plástico
O economista-chefe da Fiergs, Giovani Baggio, afirma que a retração nas exportações reflete o efeito do tarifaço em ramos com participação importante nas vendas para os Estados Unidos. Como é difícil encontrar outros países com o mesmo perfil de compra dos americanos, realocar remessas produzidas de acordo com os gostos desse público acaba refletindo nos dados, considera o especialista:
— É difícil você achar uma economia com o poder de compra dos americanos, com uma estabilidade de demanda. São produtos que dificilmente encontrarão outros clientes no mercado externo, ainda mais de uma maneira tão rápida.
Contenção de danos
Nos ramos que mostraram maior queda, alguns movimentos para tentar conter danos se destacam, como a manutenção do vínculo com compradores americanos, mesmo que em remessas menores ou com prejuízo, segundo Baggio. Isso ocorre para não correr o risco de perder clientes, mas carrega outro risco no horizonte, aponta economista-chefe da Fiergs:
— A gente sabe que isso é insustentável no médio e longo prazo, a empresa não vai conseguir sobreviver com isso. (…) Elas estão fazendo esse tipo de movimento na esperança de que tenha uma solução.
Baggio afirma que as pesquisas e sondagem da Fiergs também já mostram sinais de retração em alguns indicadores de desempenho, como emprego e outros investimentos.
O Índice de Desempenho Industrial do Rio Grande do Sul (IDI-RS), da Fiergs, já havia mostrado esse movimento citado por Baggio, registrando queda de 1,9%, em agosto, na comparação com julho
O recuo, que ocorre no mês de início do tarifaço, é maior desde maio de 2024, quando o Estado foi atingindo pela enchente histórica
O indicador pega variáveis como faturamento, compras e horas trabalhadas
O levantamento da Fiergs aponta que outros setores com relação comercial importante com os EUA, como móveis, couro e calçados, também apresentaram retração nas exportações para os americanos. No entanto, tiveram impacto menor ante outros segmentos dentro do geral.
Madeira
Um dos exemplos mais claros é no setor da madeira. O presidente do Sindimadeira RS, Leonardo De Zorzi, afirma que o ramo segue com dificuldades em contornar o tarifaço. Ele estima entre 500 e 600 postos de trabalho perdidos e duas plantas fechadas no Rio Grande do Sul após o aumento de tarifa.
Zorzi destaca que algumas empresas estão conseguindo restabelecer parcialmente a sua participação no mercado americano, mas a preços e volumes mais baixos, o que afeta negativamente as receitas. O dirigente afirma que esse movimento causa um alento, mas não o suficiente para resolver o problema:
— Temos algumas notícias animadoras, mas junto com isso também vem a preocupação extrema, principalmente ligada à questão da receita, da rentabilidade, ou melhor, à falta da receita e à falta da rentabilidade.
O presidente do Sindimadeira RS afirma que a recente reaproximação entre os governos brasileiro e americano, marcada por uma primeira conversa entre os presidentes Lula e Donald Trump, é no mínimo animadora no sentido de estimar uma resolução para o embate.
Tabaco
No ramo do tabaco, apesar da queda expressiva nas vendas para os Estados Unidos, o setor apresentou elevação de 42,08% nas exportações, levando em conta todos os destinos. O ramo tem outros clientes fortes, como o mercado asiático e a Europa.
O presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Valmor Thesing, afirma que o setor vive um compasso de espera. Antes de o tarifaço entrar em vigor, as exportações para os EUA foram aceleradas até o dia 6 de agosto. No entanto, os clientes americanos suspenderam todos os embarques após esse período, aguardando uma solução diplomática, porque não poderiam absorver uma taxa adicional. Essa trava provocou o tombo nas exportações.
— Transtorno sempre traz. As empresas, dentro das condições de cada uma delas, vão lidando com isso. Nós temos empresas que são globais, que têm mais fôlego para suportar essa suspensão. Outras menores estão enfrentando algum problema. Mas ainda aguardando ansiosos por uma solução diplomática. Aparentemente, abriu um canal de comunicação entre os dois países.
Neste momento, Thesing destaca que não há problemas maiores na cadeia, com algumas empresas achando alternativas de acordo com suas realidades. No entanto, caso não haja uma solução, isso pode inverter, com efeitos negativos mais cheios na safra e no processamento do próximo ano.
— Tem de haver uma saída diplomática porque senão cria um problema para a próxima safra, do ano que vem. Aí sim nós estimamos que poderá eventualmente haver prejuízo para alguns produtores, para alguns empregos, mas é cedo para falar sobre isso.
Na semana passada, o ministro brasileiro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado do governo norte-americano, Marco Rubio, se reuniram para tratar de temas como o tarifaço e saídas para o imbróglio. Essa aproximação é outro fato que alimenta as expectativas dos exportadores.
Dado geral
No geral, levando em conta todos os destinos, as exportações da indústria de transformação gaúcha somaram US$ 1,6 bilhão em setembro de 2025 — alta de 4,6% (US$ 71,3 milhões) ante o mesmo mês do ano passado. A Fiergs atribui o desempenho ao “efeito calendário”, com dois dias úteis a mais, que favoreceu o setor.