O setor de óleo e gás brasileiro vive um momento decisivo no que diz respeito ao destino de suas plataformas de produção ao fim da vida útil. O potencial estimado é de cerca de 28 FPSOs e FSOs em processo de descomissionamento no país nos próximos 15 a 20 anos.
Nesse contexto, torna-se estratégica para a economia do país a viabilização regulatória para a operacionalização do desmantelamento dessas unidades de produção no país, com aproveitamento da sucata metálica resultante no processo siderúrgico nacional.
O modelo pode inaugurar uma cadeia estruturada de reaproveitamento de grandes embarcações, reativando estaleiros, criando empregos, gerando renda, movimentando fornecedores, e ainda trazendo benefícios ambientais. Isso porque, do ponto de vista ambiental, o uso da sucata na produção de aço reduz emissões de CO₂ em até 70% em comparação à rota tradicional a carvão. Além disso, a realização do desmantelamento em território nacional evita o reboque de plataformas para o exterior, operação de alto custo e impacto ambiental significativo.
O processo de descomissionamento, conforme disciplinado pela Resolução ANP 817/2020 – que exige a apresentação e execução do Plano de Descomissionamento de Instalações (PDI) – envolve, inicialmente, o cumprimento de todas as obrigações regulatórias e ambientais garantidas pela operadora no âmbito do contrato (de concessão, autorização ou cessão onerosa) assinado com a ANP, com destaque para a desconexão e vedação dos dutos submarinos, retirada do sistema de ancoragem, limpeza de resíduos das diversas instalações da plataforma de produção, a fim de possibilitar a sua movimentação (via rebocagem), sem riscos ambientais.
A fase de desmantelamento, que se segue a essa, já envolve a desmontagem de eventuais equipamentos que ainda possuam valor econômico relevante, para que possam ser reaproveitados ou revendidos, e a picotagem industrial dos materiais metálicos componentes do casco e das demais instalações da plataforma, a fim de que possam ser utilizados como sucata para novo ciclo produtivo.
Por fim, ocorre a destruição dos materiais componentes da plataforma que não possuam mais valor econômico.
Considerando as etapas descritas acima, vale apontar que, no histórico brasileiro, as plataformas de produção costumam ser destinadas à exportação, após o descomissionamento, de modo que seu desmantelamento e aproveitamento da sucata costuma ocorrer no exterior, em estaleiros da Europa ou Ásia.
Ocorre que algumas siderúrgicas e estaleiros brasileiros tem começado a manifestar seu interesse na aquisição do elevado volume de sucata metálica oriundo dessas plataformas. As partes interessadas alegam que as siderúrgicas possuem grande interesse na compra local de sucata, tendo em vista o custo reduzido e a maior simplicidade logística, e que os estaleiros possuem a expertise necessária para a condução de tais atividades.
É importante esclarecer, contudo, que a viabilização da realização dessas atividades no Brasil exige a conjugação de normas ambientais, aduaneiras e tributárias, bem como soluções jurídicas inovadoras (por conta de algumas lacunas normativas existentes).
No caso das plataformas já nacionalizadas (i.e. de propriedade de empresa brasileira), os desafios são menores, o que se evidencia pela compra da P-32 pela Gerdau junto à Petrobras, conforme amplamente noticiado nos veículos de comunicação. No entanto, há que se falar ainda assim em uma curva de aprendizado quanto a essas atividades, seja por parte das autoridades competentes, seja por parte das empresas envolvidas, o que se evidencia a partir da disputa travada entre a Gerdau e a Petrobras, e que reflete a relativa inexperiência das empresas quanto às nuances possíveis desse segmento.
O ponto mais relevante, em todo caso, no que se refere à insegurança regulatória, está associado às plataformas cuja propriedade é detida por empresa residente no exterior, de modo que sua utilização no Brasil é suportada por contrato de afretamento com operadora no Brasil.
Nesses casos, ocorre a aplicação do Repetro-Sped para a admissão dessas plataformas de forma temporária, pelo prazo de duração do contrato de afretamento. Dessa forma, a venda da plataforma a empresa brasileira interessada depende, primeiramente, da regular extinção do Repetro-Sped – que é um regime suspensivo de caráter condicional, com modalidades de extinção restritas – e ainda da formalização da venda pela proprietária, residente no exterior.
A viabilização dessa operação tem respaldo, por similaridade, em dispositivos já existentes na legislação aduaneira, mas depende de manifestação formal da Receita Federal para mitigar riscos de questionamentos futuros.
Isso porque as etapas de descomissionamento e desmantelamento não se adequam aos procedimentos normativos para a destruição de bens, como modalidade de extinção do Repetro-Sped. Enquanto as regras de extinção por destruição são voltadas para destruições pontuais de bens/equipamentos ou mesmo partes e peças, de modo que podem ser realizadas pontualmente e com o acompanhamento de autoridade fiscal, o desmantelamento de uma plataforma envolve inúmeras atividades realizadas de forma concomitante, em tempo aproximado de 1 ano.
Além disso, eventual extinção da modalidade temporária do Repetro-Sped pela via da exportação implicaria, caso seguido literalmente o regramento vigente, a efetiva movimentação da embarcação para fora do território brasileiro.
A alternativa prevista normativamente é a de permanência da plataforma por mais 60 dias, após o término do contrato de afretamento, ao final do qual, seria impositiva a sua retirada de águas brasileiras.
Portanto, o primeiro desafio seria o de viabilizar essa venda a outra empresa brasileira (sem que tal hipótese seja confundida com uma nacionalização direta), desde que realizada dentro da janela de 60 dias de permanência em águas brasileiras.
Adicionalmente, precisa ser equacionada a questão do valor aduaneiro, já que a plataforma foi importada por valor muito superior ao valor depreciado (e, a rigor, relativo ao peso de sucata disponível), de modo que haverá divergência robusta entre o valor praticado para a extinção do Repetro (que está atrelado à compra/importação original) e o valor acordado entre as partes interessadas para a operação de venda.
Por fim, é ainda ponto sensível a classificação fiscal da unidade no momento da nacionalização pelo adquirente. Duas opções se destacam: tratá-la como sucata metálica, o que implica tributação diferenciada e reflete sua destinação econômica, ou como embarcação destinada ao desmantelamento, quando o bem ainda mantém características de embarcação depreciada.
Diante dessas questões técnicas relevantes, destaca-se o papel-chave da Superintendência Regional da 7ª Região Fiscal, dado seu histórico de protagonismo regulatório no setor de O&G, para o equacionamento dessas lacunas com a necessária razoabilidade e tempestividade, de modo que o Brasil não desperdice a oportunidade que se apresenta.
Diante de todo o cenário exposto, conclui-se que o Brasil tem diante de si um dilema estratégico: ou consolida um ambiente regulatório e tributário que dê segurança às empresas para optar pelo desmantelamento em território nacional, ou continuará a exportar embarcações, ao final dos seus contratos no país.
A viabilização de uma primeira operação nesses moldes, envolvendo embarcação sob o Repetro-Sped temporário, estabeleceria um novo paradigma no setor de óleo e gás. Representaria não apenas o cumprimento de obrigações ambientais, mas também a criação de um ciclo virtuoso de reaproveitamento de materiais, fortalecimento da indústria naval e siderúrgica e redução de emissões.
O Brasil, ao alinhar inovação regulatória com sustentabilidade e geração de valor, pode transformar o desafio do descomissionamento em oportunidade estratégica de longo prazo. [logo-jota]
*Tiago Severini
Sócio da área tributária e aduaneira do Vieira Rezende Advogados