Um dos maiores desafios da implantação do Trem Intercidades (TIC) – Eixo Norte, que vai ligar São Paulo a Campinas, é a ampliação da infraestrutura ferroviária em um traçado já consolidado e densamente urbanizado. O projeto exigirá ainda a construção de túneis, desvios ferroviários (sidings) e intervenções para mitigar o risco de alagamentos em trechos vulneráveis a enchentes.
“O TIC é um dos maiores projetos de mobilidade em curso no País, que envolve soluções de engenharia de alta complexidade. A execução como um todo é bastante desafiadora”, salienta Pedro Moro, diretor-presidente da TIC Trens, concessionária responsável pelo empreendimento. “Além de túneis, estão previstas a construção de 17 sidings ou desvios ao longo das linhas de passageiros e de carga”, diz. Segundo ele, esses sidings permitirão o cruzamento entre trens ao longo da operação do TIC e estarão distribuídos por toda a extensão entre São Paulo e Jundiaí. “Serão usados não só no horário de pico, mas durante toda a operação comercial. O que aumenta a segurança da operação e garante a continuidade do serviço.”
O pacote de projetos do TIC – Eixo Norte inclui o trem expresso (TIC), que ligará São Paulo a Campinas por linha férrea de média velocidade, com uma parada em Jundiaí; o Trem Intermetropolitano (TIM), que fará a conexão entre Jundiaí e Campinas em um trajeto de 44 km, com paradas em Valinhos, Vinhedo e Louveira; além da operação, manutenção e obras de modernização da Linha 7-Rubi da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
A implantação do TIC, do TIM e a modernização da Linha 7-Rubi ocorrerão, em sua maior parte, ao longo da faixa ferroviária existente, tanto no trecho da atual Linha 7-Rubi quanto no segmento concedido à carga, entre Jundiaí e Campinas. “Em alguns pontos específicos, no entanto, poderá haver a necessidade de intervenções fora dessa faixa. Essas adequações visam obter a geometria necessária para as velocidades previstas, especialmente no caso do TIC”, explica Moro.
Atualmente, TIC e TIM estão na fase de execução dos projetos básicos, que deve ser concluída no segundo semestre de 2025. O projeto executivo será desenvolvido em seguida. Já o início da operação do TIM está programado para 2029, enquanto o TIC tem previsão para 2031. Segundo o diretor, a previsão contratual de início das obras – tanto da revitalização da Linha 7-Rubi, quanto do início da linha do TIC e do TIM – é a partir de maio de 2026. “A contratação das empresas responsáveis pelo desenvolvimento do projeto executivo de engenharia está sendo conduzida de forma gradual, conforme o escopo de cada etapa. Estamos na fase de análise e definição das empresas de engenharia que ficarão responsáveis pela execução das obras civis, conforme os estudos e o cronograma do projeto”, informa o executivo.
O plano prevê a construção de diversas Obras de Arte Especiais (OAEs) ao longo do trecho entre São Paulo e Campinas. Um dos exemplos está na região entre Francisco Morato e Campo Limpo Paulista, onde será construído um túnel ferroviário com aproximadamente 600 m de extensão. “Esse túnel será exclusivo para a operação do TIC, que terá circulação segregada nesse trecho, e será implantado ao lado do túnel existente, atualmente utilizado pelos trens metropolitanos da Linha 7-Rubi”, esclarece Moro, lembrando que o túnel atual tem valor histórico. Ele foi construído no século XIX, durante a implantação da São Paulo Railway, a primeira ferrovia do Estado, mais tarde chamada de Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, hoje pertencente à Linha 7-Rubi.
Além do túnel dedicado ao TIC, será construído um terceiro túnel na mesma região, voltado exclusivamente ao transporte de cargas, como parte do projeto de segregação entre os serviços de passageiros e de carga. O projeto prevê soluções pontuais de engenharia que possibilitem as linhas de passageiros e de carga operarem numa mesma faixa de domínio. Mas em linhas diferentes. “Por exemplo, a distância mínima entre os eixos centrais das vias do TIC e de carga é de 4,55 metros. Tal distância aumentará para 6,1 metros quando o trecho apresentar postes de rede aérea. Mas há lugares tão estreitos que será necessário construir um pórtico especial para alimentação elétrica aérea para as composições de passageiros”, afirma Moro.
Ainda de acordo com o diretor-presidente, a operação dos novos trens de passageiros envolve uma série de desafios técnicos e operacionais. Um dos mais complexos é ampliar a infraestrutura em um extenso trecho urbano já ocupado por duas vias, que atualmente atendem aos trens metropolitanos até Jundiaí e ao transporte de cargas entre o interior paulista e o Porto de Santos. O plano prevê a implantação de quatro vias: duas para os serviços metropolitanos (ida e volta), uma exclusiva para o trem expresso TIC e outra para o transporte de cargas, além da adaptação do trecho entre Jundiaí e Campinas, hoje utilizado apenas por trens de carga, para receber o trem parador TIM.
“Na nova configuração, o transporte de carga obterá maior eficiência e produtividade, pois terá uma via exclusiva, com trilhos que terão capacidade para cargas mais pesadas nos vagões, elevando o limite atual de 25 para 32,5 toneladas por eixo”, afirma Moro. “Tudo isso deverá ser feito sem interromper a operação ferroviária existente, o que exigirá um cronograma detalhado e execução em etapas bem planejadas”.
Outras implantações incluem a construção de um túnel em Botujuru só para o TIC, para deixar a viagem entre Campinas e São Paulo mais rápida. “Aqui também é fundamental que não se comprometa o fluxo nem a segurança da linha de trens metropolitanos. Por isso essa obra vai garantir que a linha paralela continue funcionando normalmente para os trens da Linha 7-Rubi”, afirma.
Além disso, está previsto um terceiro túnel, exclusivo para o transporte de cargas. Essa separação dos serviços é, segundo ele, essencial para manter a segurança e aumentar a eficiência da linha. “Sem dúvida, é uma das fases mais importantes e complexas do projeto do TIC”, frisa. Outra dificuldade está no entorno de algumas estações, localizadas em áreas que costumam inundar em períodos de chuva. “Além de serem densamente povoadas, teremos de atuar para evitar que tanto trilhos como o entorno da estação fiquem debaixo d’água nos periodos críticos de chuvas”, diz.
Projeto exigirá R$ 14 bi e 4 etapas simultâneas de obras
O trem intercidades terá investimento total – incluindo a construção e operação do trem expresso (TIC), do TIM e a realização de obras de melhorias na Linha 7-Rubi – de R$ 14,2 bilhões e o prazo de concessão é de 30 anos. Com 101 km, o TIC oferecerá um serviço expresso entre São Paulo e Campinas, com capacidade para até 860 passageiros por viagem, que terá duração de 64 minutos. O projeto vai contar com três estações – Barra Funda, em São Paulo, passando por Jundiaí, até chegar em Campinas – e visa melhorar a mobilidade urbana para a população que precisar fazer deslocamento diário entre as maiores regiões metropolitanas do Estado.
Já o TIM será uma nova linha do tipo parador, para atender passageiros de Jundiaí, Louveira, Vinhedo, Valinhos e Campinas. Terá 44 km de extensão e seu trajeto será feito em 33 minutos, segundo a concessionária. A concessão assumida pela TIC Trens envolve também a operação, manutenção e modernização da atual Linha 7-Rubi, com 57 km. Os investimentos no sistema vão gerar mais de 10 mil empregos diretos, indiretos e induzidos, atendendo 11 municípios e 15 milhões de pessoas, segundo estudo da Secretaria de Parcerias e Investimentos (SPI).
O projeto prevê a divisão das obras em quatro etapas, que serão tocadas simultaneamente. A primeira é a requalificação da infraestrutura da Linha 7-Rubi de trens metropolitanos, que atualmente opera com cerca de 500 mil passageiros por dia. Haverá a modernização das estações e troca dos dormentes ao longo da via, que hoje são de madeira e serão substituídos pelos de concreto, que são mais duráveis e confortáveis. Essa troca será realizada sem a interrupção da circulação dos trens de passageiros e de carga.
Na sequência, será feita a implantação de uma via que fará a ligação entre Jundiaí e Campinas (TIM), além de fazer a segregação do transporte de carga que hoje transita na mesma via da Linha 7. A etapa final do projeto, que será concluída em 2031, é a construção da linha que abrigará o serviço expresso do TIC. A TIC Trens será responsável também pelas obras de modernização e ampliação da estação Água Branca, que se transformará em um dos principais hubs de mobilidade do Estado, interligando as Linhas 7-Rubi, 8-Diamante e 9-Esmeralda da CPTM, as Linhas 3-Vermelha e 6-Laranja do Metrô, além do TIC Eixo Norte e do futuro TIC Eixo Oeste (Sorocaba).
As composições que irão circular pelo TIC alcançarão até 140 km/h, a maior velocidade obtida por um trem de passageiros atualmente no País. De acordo com a TIC Trens, 15 composições de dez carros cada uma deverão fazer parte do sistema, totalizando 150 vagões. Os veículos contarão com espaços para bagagem e para bicicletas. Segundo estudos do governo, deverão ser transportadas quase 550 mil pessoas por dia no primeiro ano de operação do projeto.
Os trens do TIM serão assemelhados aos utilizados na Linha 7, mas mais modernos e rápidos – a velocidade média desses trens gira em torno de 80 km/h. No total, serão utilizadas sete composições de oito carros cada na operação dessa linha.
TIC Trens é uma empresa do grupo Comporte – holding brasileira formada por empresas de transporte rodoviário e urbano de passageiros, cargas e turismo –, que detém 60% de participação, e da CRRC, companhia chinesa líder mundial em fabricação e fornecimento de materiais e suprimentos para ferrovias, com 40%. “Com ampla experiência internacional, especialmente em trens de média velocidade, a expertise da CRRC tem sido fundamental no desenvolvimento do projeto”, frisa Moro. A empresa deverá ser responsável pela fabricação dos trens do TIM e dos 15 trens de média velocidade previstos no contrato de concessão. A produção está prevista para 2029. Além do fornecimento dos trens, a CRRC é responsável pelo fornecimento de todos os sistemas do projeto.
Conheça o diretor da TIC Trens
Pedro Tegon Moro, diretor-presidente da TIC Trens, é formado em Administração de Empresas, com pós-graduação em Gestão de Negócios pela Universidade Mackenzie e especializações em Parcerias Público-Privadas pela Fundação Vanzolini e em Análise de Viabilidade de Negócios pela Fundação Getulio Vargas. Com mais de 15 anos de experiência no setor de transporte público, atuou na SPTrans entre 2005 e 2007, ano em que migrou para a CPTM. Na companhia, foi responsável pela gestão administrativa e financeira de projetos como a implantação da Linha 13-Jade, a expansão da Linha 9-Esmeralda e modernização de estações da Linha 8-Diamante, além de atuar na estruturação de PPPs e concessões. Foi presidente da CPTM entre 2019 e 2024, e desde agosto do ano passado está na TIC Trens.
Sobre o grupo Comporte
O grupo Comporte é uma holding brasileira criada em 2002 pelo empresário Nenê Constantino, fundador da Gol Linhas Aéreas. Reúne empresas de transporte rodoviário e urbano de passageiros, cargas e turismo, com atuação em 13 Estados. A companhia presta serviços em mais de 700 cidades, operando uma frota de cerca de 7,2 mil ônibus urbanos, suburbanos, de fretamento e rodoviários. Também está presente no transporte metroferroviário: venceu a concessão das linhas 11, 12 e 13 da CPTM, em São Paulo, e assumiu, em dezembro de 2022, a operação do metrô de Belo Horizonte. No litoral paulista, é responsável, por meio da subsidiária BR Mobilidade, pelo VLT que conecta Santos e São Vicente.
Sobre CRRC
Sediada em Pequim, a CRRC é a subsidiária da CRRC Corporation, atuando como plataforma estratégica global. Focada no modelo DLS (Digital Lifecycle Solution), integra engenharia, financiamento e operação em projetos metroferroviários sustentáveis. Atualmente, o grupo tem presença em diversos países de todos os continentes, entre eles, Nova Zelândia, Portugal, Indonésia, Nigéria, México e Austrália. No Chile, a empresa tem participado da renovação da frota de trens do país. É possível que os modelos de composições que estão operando nas linhas chilenas, que são os mais rápidos da América do Sul, venham circular no Brasil. A CRRC tem origem na Xugezhuang Machinery Works que, em 1881, fabricou a primeira locomotiva a vapor na China chamada de ‘Foguete da China’. Ao longo dos anos, a empresa se especializou em transporte sobre trilhos.