‘Workslop’: um novo oportunismo que mina a confianç

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A cada dia, aprendemos um pouco mais sobre as potencialidades da IA, assim como sobre os desafios que ela traz. Uma pesquisa recém-publicada na “Harvard Business Review” nomeia um desafio que experimentamos no trabalho já há algum tempo. É um novo tipo de oportunismo: o “workslop” produzido pela IA generativa.

Possivelmente, você já teve o desprazer de recebê-lo. À primeira vista, o material parece de qualidade – um relatório ou texto bem escrito e estruturado, ou uma apresentação visualmente bem acabada e com narrativa coerente. Mas, uma leitura atenta revela o vazio por trás da forma. É um conteúdo raso e repetitivo, sem a substância necessária para realmente avançar o trabalho. Ou seja, o workslop inverte o propósito central da IA. Em vez de aumentar produtividade ao apoiar a criação e lapidação de trabalhos de qualidade, gera apenas pseudo-trabalho.

Ainda que o termo workslop seja novo, o comportamento que ele descreve não é. A falta de comprometimento sempre foi uma das principais barreiras para a dinâmica de times de alto desempenho, especialmente em projetos complexos e inovadores, que exigem tarefas interdependentes, realizadas por várias mãos e diferentes expertises.

Para que o time funcione, há uma expectativa tácita: cada membro deve se responsabilizar por sua parte de forma confiável e com qualidade. Quando alguém não entrega, atrasa ou entrega algo claramente malfeito, o problema é nítido. O workslop é mais sutil. Relatórios longos, textos aparentemente bem estruturados ou apresentações polidas criam a ilusão de um trabalho bem executado. Mas, na prática, escondem um vazio que obriga colegas a refazer ou melhorar algo que parecia estar pronto. É o free-riding – a carona no esforço alheio – em versão digital, mas mais difícil de detectar e, justamente por isso, mais silencioso.

Os pesquisadores de Stanford e da BetterUp Labs, responsáveis pelo estudo, mostram o impacto concreto na produtividade. Na amostra com mais de mil profissionais, 40% reportaram ter recebido workslop no mês anterior e desperdiçado, em média, duas horas para consertá-lo. Ao cruzar este tempo com sua remuneração reportada, o estudo calculou um custo de 186 dólares por trabalhador por mês. Em uma organização de dez mil funcionários, os pesquisadores estimam uma perda de 9 milhões em produtividade por ano. Não é pouco.

Para além destes impactos, podemos pensar ainda em outro menos visível, mas não menos danoso: a quebra de confiança entre as pessoas. À primeira vista, pode parecer que o workslop prejudica apenas a percepção de competência do colega. Ou seja, ao se engajar em workslop e entregar algo de baixo esforço e qualidade, a pessoa passa a ser vista como menos adequada para projetos de maior visibilidade e importância. Isso, por si só, já seria preocupante. O dano reputacional, porém, pode ser ainda mais profundo.

Pesquisas em confiança interpessoal indicam que ela se forma a partir de três julgamentos centrais. Ao avaliar se alguém é confiável, levamos em conta: competência, ou seja, se a pessoa é capaz de entregar o que prometeu; integridade, se cumpre suas promessas e mantém consistência entre o que diz e faz; e, benevolência, se demonstra cuidado conosco, levando em conta nosso bem-estar e evitando agir de forma a nos prejudicar.

Quem se engaja em workslop não está terceirizando o trabalho para a tecnologia, mas para o colega. Ao outro, recai o fardo de lidar com um material longo e vazio, sem profundidade, cheio de lacunas e imprecisões grosseiras e ainda refazer tudo. Muitas vezes, revisar e corrigir workslop é mais custoso do que executar a tarefa do zero. Mais do que tempo e esforço perdidos, fica a frustração de ter sido enganado. Com isso, o trabalho de má qualidade resultante do workslop tende a ser visto menos como falta de competência e mais como sinal de baixa benevolência ou integridade. E essas são violações de confiança muito mais difíceis de reparar.

Um episódio que sinaliza menor competência é, em geral, mais fácil de superar. Demonstrações de competência podem variar conforme o tipo de tarefa, pressão de tempo ou outros fatores circunstanciais, de modo que mesmo alguém competente pode, ocasionalmente, entregar algo aquém do esperado. Já quando se trata de benevolência e integridade, a história é diferente. Um único episódio em que a pessoa demonstra descaso com o outro pode deixar marcas mais duradouras. Afinal, não se espera que integridade e benevolência oscilem conforme a conveniência. Aqui, há menos nuances e atenuantes. A pessoa é ou não íntegra. Ela se importa ou não com o outro. E um único episódio pode revelar algo visto como estável e definitivo.

Claro que episódios de workslop podem ser vistos como falhas interpessoais menores, que configuram quebras de confiança de menor severidade. Ainda assim, vale a reflexão sobre seus riscos e trade-offs de curto e longo prazo. Ainda que o workslop possa poupar tempo de forma imediata, há um preço alto e invisível a ser pago: o desgaste da reputação ao longo do tempo. Afinal, reputação, ao contrário de um relatório vazio, não se reconstrói em duas horas de retrabalho.

*Tatiana Iwai é professora e pesquisadora de comportamento e liderança no Insper. Coordenadora do Núcleo de Comportamento Organizacional e Gestão de Pessoas do Centro de Estudos em Negócios do Insper. Doutora em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao longo de sua carreira, atuou como consultora de mudança organizacional, desenvolvendo projetos para empresas nacionais e multinacionais.

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